Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 19, 2011

A crise sai debaixo do tapete:: Vinícius Torres Freire

FOLHA DE S. PAULO


É chocante ouvir que diminuiu o crédito do governo da maior e mais
rica economia do mundo. Isto é, ouvir que a capacidade de pagamento do
governo dos EUA virá a ser mais duvidosa, mesmo que na opinião
duvidosa de uma agência de classificação de risco, no caso a S&P.

Foi o que se ouviu ontem. A nota de crédito dos Estados Unidos pode
vir a ser menos que perfeita, menor que a máxima, o que seria inédito.
Até essa expressão, "risco de calote americano", soa absurda.

As agências de classificação de risco de crédito, entre elas a S&P,
estão mais desacreditadas do que sempre. Foram cúmplices da catástrofe
de 2008, pois avalizaram o papelório podre que deu origem ao colapso
financeiro. Ainda assim, têm relevância prática, pois governos ou
firmas com nota de crédito baixa tomam crédito mais caro ou nem
conseguem tomar dinheiro emprestado, a depender do possível credor.

Os comentários da S&P sobre a incapacidade dos EUA de apresentar um
plano de redução de sua dívida até 2013 causaram certo tumulto em
parte dos mercados financeiros, os de ações em particular.

Os credores da dívida pública dos EUA, porém, mal se mexeram. Onde
mais se pode guardar o dinheiro do mundo? No Tesouro de Júpiter?

O tumulto foi surpreendente, pois demasiado. Além da desmoralização
política, qual a consequência prática da avaliação da S&P? Alguém
acredita em calote americano? Muito óbvio que não, pois houvesse tal
crença coisas muitíssimo mais graves estariam ocorrendo.

É verdade que o dia de ontem era propício para paniquitos nos
mercados. Houve más notícias sobre a negociação do empréstimo europeu
para Portugal. Houve mais boatos sobre o quase inevitável calote grego
("reestruturação da dívida", que deve vir em 2012). Mas, ainda assim,
ficou difícil de entender a marola.

Mas sabe-se que há motivos de preocupação para o médio prazo, ao
menos. Depois que os países ricos voltaram a crescer, ainda que pouco
e devagar, disseminou-se a impressão de que a crise de 2008 era
história, objeto apenas de teses universitárias. Não é o caso, claro.

Os governos dos EUA, da União Europeia e do Japão, para ficar nos mais
cotados, evitaram um colapso apocalíptico em 2008/2009. Isto é, um
dominó de quebras e falências monstruosas, depressão econômica e,
talvez, crises social e política ruinosas. Para tanto, salvaram
bancos, assumiram dívidas de instituições financeiras, bancaram o
valor de investimentos financeiros privados, fizeram deficit
pantragruélicos a fim de animar a economia etc.

No fim das contas, na prática os governos "induziram" seus bancos
centrais a imprimir dinheiro com o objetivo de financiar a finança
privada e os próprios deficit, de modo indireto. A fim de evitar
depressão e deflação, os BCs procuraram reflacionar as economias.

Enfim, restaram dívidas monstruosas e riscos de inflação. Parte dos
efeitos da crise foi transportado para o futuro -empurraram a coisa
com a barriga, enfim. Essas dívidas serão "pagas" com uma mistura de
baixo crescimento e/ou inflação nos próximos anos. Em algum momento,
os juros subirão no mundo rico (2012?). Não é improvável um cenário de
baixo crescimento com inflação desagradável. Um tipo de es- tagflação.
Essa, talvez, a ficha que tenha caído ontem nos mercados.

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