O Brasil subiu para a série A da economia mundial, em consequência dos
êxitos de seu time e de uma boa ajuda dos parceiros internacionais.
Não dá ainda para disputar o título, mas é possível conseguir uma
honrosa posição intermediária - isso se a política econômica também
evoluir. Não dá para jogar na primeira divisão com estrutura de
segunda. Precisamos de um supertécnico, que não invente, mas saiba
jogar à moderna.
Os sinais de que chegamos a uma nova divisão estão por toda parte. Um
dos mais significativos, e curiosos, é um papel chamado CDS (Credit
Default Swap). O investidor compra um título emitido pelo governo
brasileiro e quer se prevenir contra o calote. Vai então ao mercado
internacional e compra uma espécie de seguro, que é o CDS. Quanto
menor o preço desse papel, logicamente, menor a possibilidade de
calote daquele país.
Pois compra-se um CDS "brasileiro"pagando juros anuais em dólares de
1,1% - apenas um pouco acima do papel americano equivalente, para o
qual se paga juros de 0,50%.
Por que diminuiu o risco de calote? Mudanças estruturais. A primeira
foi na estrutura legal das contas públicas, postas sob o controle da
Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela simplesmente exige que as receitas
e despesas sejam calibradas de modo a reduzir o endividamento. O
governo Lula, no seu final, fez diversas estripulias com a
contabilidade, mas não mudou as bases legais, que estão enraizadas.
A segunda grande virada está nas contas externas. O Banco Central do
Brasil tem hoje reservas de mais de US$300 bilhões, contra uma dívida
externa, pública e privada, em torno dos 220 bilhões. Ou seja, de um
país que quebrou várias vezes por falta de dólares o Brasil juntou-se
ao grupo que tem sobra da moeda americana - é credor líquido em
dólares.
A mudança de fundo está na conquista da estabilidade macroeconômica,
com suas consequências admiráveis. Por exemplo, a volta do crédito
especialmente às pessoas, aos consumidores, e mais especialmente ainda
às novas classes médias.
E aqui já temos um exemplo de como algumas políticas básicas que nos
trouxeram até aqui já não funcionam do mesmo modo. O BC eleva taxas de
juros para encarecer e conter o crédito e, assim, impedir a alta da
inflação, já que as pessoas gastam menos nos shopping e supermercados.
Mas o Brasil está em pleno processo de aumento estrutural do crédito,
que era de 20% do PIB no início do século e já vai passando dos 50%.
Normal, nos países estáveis as pessoas recorrem mais ao crédito. E os
bancos competem para oferecer empréstimos.
Chocam-se, portanto, dois movimentos: um "natural", digamos assim, com
a economia se adaptando a mais crédito, outro "conjuntural", que são
as ações do BC na tentativa de esfriar esse mesmo crédito quando a
inflação escapa, como ocorre no momento.
Ficamos com juros altos e crédito em expansão, mas muito caro, o que
também pressiona preços.
O modo de encarar o dólar é outra esquizofrenia. Dólar caro é para
países que sofrem com a falta da moeda internacional; para países
cujos governos, empresas e pessoas pagam muito caro para tomar crédito
lá fora; para países que não conseguem atrair investimentos externos.
Ora, o Brasil de hoje é o contrário disso tudo. Nessas circunstâncias,
e considerando a economia de primeira divisão, o real será
necessariamente uma moeda forte.
Assim, toda vez que o governo usa instrumentos antigos para tentar
conter a valorização excessiva do real, só consegue gastar dinheiro
(quando toma reais emprestados para comprar dólares) e encarecer os
negócios das pessoas e empresas (quando aumenta o imposto sobre
operações financeiras).
Uma nova política precisa olhar o seguinte: o que resta de segunda
divisão na economia brasileira?
O mais evidente é a taxa de juros, absurdamente elevada. Tem caído ao
longo dos anos, o que é uma prova de sucesso da política econômica e
do regime de metas de inflação. Mas parece que a taxa real de juros
empacou entre 5% e 6% ao ano, quando deveria ser no mínimo a metade
disso.
O que o governo Dilma está fazendo, nisto numa continuação de Lula,
sob a condução do ministro Mantega, é uma sucessão de quebra-galhos:
promete cortar gastos e se compromete com gastos futuros, como um
aumento de 14% para o salário mínimo em 2012; promete desindexar a
economia e indexa o mínimo e a tabela do IR; promete reduzir a dívida
e se endivida para emprestar dinheiro ao BNDES; Fazenda e BC encarecem
e restringem o crédito, o BNDES aumenta empréstimos baratos a empresas
selecionadas; e assim vai.
Nesses movimentos, só pioram outros dois fatores de segunda divisão: a
carga tributária (elevada e custosa) e o gasto público, excessivo e de
baixa eficiência.
Comparando, é como se em 1993 Fernando Henrique Cardoso, designado
ministro da Fazenda, em vez de partir para a grande virada do Real,
tentasse domar a inflação com expedientes como congelamento de preços,
confisco de produtos, proibição de exportação e falsificação dos
índices de preços.
Qual seria o Real de hoje? Dilma pode dar uma virada como a de FH?
Voltaremos ao assunto, mas um caminho se apresenta: aceitar um real
valorizado e aproveitar isso para aplicar um violento golpe na
inflação e daí, sim, derrubar juros para valer. Agora, não será
possível para a indústria brasileira sobreviver com dólar barato e
custo Brasil muito elevado. Vem daí a outra perna de uma nova
política: uma revolução para reduzir o custo Brasil e colocar o
ambiente de negócios também na primeira divisão.
Que tal?
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br;
carlos.sardenberg@tvglobo.com.br.
Dilma pode dar uma virada como a de FH?