As hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio no rio Madeira estão nas
páginas dos jornais. São obras de infraestrutura do Programa de
Aceleração Econômica (PAC), em que em torno de 20 mil homens e
mulheres são lançados, nas palavras do dirigente do sindicato "no meio
do mato" em plena Amazônia, para consecução de obra faraônica, movidos
pela pressa dos investidores e do interesse público.
Sem entrar no mérito da discussão sobre a necessidade do país de criar
excedentes de energia e a qualidade das matrizes, o resultado não
poderia ser diferente: incêndios e depredações nos locais da
construção. Condições por si só indignas, considerado o contexto,
tornam-se insuportáveis, somado qualquer descaso das empresas
contratantes. Infelizmente, tais eventos guardam características de
tempos que há muito gostaríamos de ver varridos do mapa nacional.
A violação das regras trabalhistas, impacto ambiental, remoção das
comunidades locais, são os temas em discussão, mas não são os únicos
eixos de debate. Representantes dos Ministérios do Trabalho, Meio
Ambiente, sindicatos são os principais interlocutores. No entanto, a
falta de posicionamento das empresas que compõe o consórcio
encarregado da execução da obra, bem como dos bancos que a financiam
chama a atenção.
Quando se fala em compromissos internacionais com a sustentabilidade
chovem indicadores, códigos de conduta, declarações de compromissos,
mas quando eclodem as crises e as violações aos padrões estampados nos
sites institucionais, é o silêncio que reina. Integram o consórcio
Energia Sustentável do Brasil S/A, responsável pelas obras de Jirau e
Santo Antonio, as empresas GDF Suez (50,1%), Eletrosul (20%), Chesf
(20%) e Camargo Corrêa (9,9%). Como se observa o controle majoritário
da Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada para obtenção do
financiamento para a execução da obra é do setor privado. A obra é
financiada pelo BNDES, signatário dos Princípios do Equador, ou seja,
das diretrizes da International Finance Corporation (IFC, braço de
financiamento do setor privado do Banco Mundial).
Instituições financeiras signatárias do IFC podem exigir o cumprimento
de padrões trabalhistas e ambientais nas obras
Os Princípios do Equador de 2006 são conjunto de diretrizes/condições
elaborados no âmbito da IFC a serem adotados pelas empresas tomadoras
em casos de project finance, que é o caso das hidrelétricas em
questão. Elaborados pelos próprios bancos, requerem a obrigatoriedade
de apresentação aos fornecedores dos empréstimos, de relatório
criterioso e completo sobre riscos ambientais, sociais, bem como
relativos à mão de obra empregada na construção, além de plano de ação
detalhado voltado para a mitigação de tais riscos ou eventos. Deve
constar, principalmente, dos planos de ação o estabelecimento de
mecanismo de monitoramento dos impactos e consulta permanente com os
envolvidos antes e durante a obra, que poderão ser conduzidos por
terceira parte independente.
A GDF Suez, reconhecida por forte atuação mundial não somente na
condução de grandes obras para geração de energia em países em
desenvolvimento, mas por ações no campo da sustentabilidade, concordou
com a obediência de tais princípios, nas palavras da própria empresa:
"o BNDES e um pool de bancos estão financiando 68.5% da obra de um
total de investimentos de € 3,3 bilhões de acordo com os Princípios do
Equador", que se impõem, portanto, como condições para a concessão das
parcelas restantes.
Existem responsabilidades reconhecidas internacionalmente pelos
Estados, empresas transnacionais e instituições financeiras quanto ao
cumprimento de diretrizes criadas e assinadas por eles mesmos em
relação a suas atividades. As diretrizes do Banco Mundial, da IFC, da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já
integram contratos internacionais e acordos de investimentos firmados
entre setor privado e público. Uma vez constantes de cláusulas
contratuais ou dos acordos firmados, pode sua inadimplência ser
arguida nos foros de arbitragem competentes.
O Brasil participa como membro pleno no grupo de debate sobre
diretrizes para condução das atividades das multinacionais na OCDE. As
empresas brasileiras estão em acelerado ritmo de internacionalização,
o que é motivo de orgulho, no entanto, atender aos compromissos
internacionais na área do desenvolvimento sustentável é condição para
que tal avanço seja duradouro. A OCDE dispõe de mecanismo de
monitoramento de suas diretrizes, denominado de Ponto de Contato
Nacional. No Brasil, ele funciona no âmbito do Ministério da Fazenda e
prevê o encaminhamento de consultas e reclamações sobre a atuação das
empresas no que tange a padrões trabalhistas e ambientais reconhecidos
internacionalmente.
Desse modo, as instituições financeiras signatárias das diretrizes da
IFC podem cobrar das empresas tomadoras a adoção dos princípios, como
condição para a concessão das novas parcelas de financiamento. Por
outro lado, é também aguardado que a International Finance Corporation
questione as instituições financeiras signatárias, quando silentes em
relação a eventos que parecem apontar para o caminho oposto de suas
diretrizes. As empresas consorciadas, por sua vez, precisam definir
suas responsabilidades entre si e torná-las transparentes, sob o risco
de comprometimento de suas imagens no mercado internacional.
Finalmente, cabe à sociedade civil organizada participar das formas de
monitoramento previstas e existentes, bem como sugerir formas mais
eficientes e imparciais, com vistas a respostas ágeis aos impactos das
obras em benefício de todos os envolvidos, desde as comunidades
locais, trabalhadores, investidores, bancos e Estado.
Silvia Pinheiro é professora de Direito Global da FGV-Rio