17/09/2010
À primeira vista, é um paradoxo. O mesmo dirigente petista José Dirceu, que batalhou para trazer o PMDB para o governo já no primeiro mandato do presidente Lula e desde o ano passado percorreu o País para construir alianças estaduais que ampliassem a base política da candidata Dilma Rousseff, acaba de colocar na mesa um projeto hegemônico para o PT no eventual governo da sua sucessora na Casa Civil. Diga quantas vezes queira que a imprensa deturpou as suas declarações, foi exatamente o que fez na sua polêmica palestra da última segunda-feira para uma plateia de petroleiros, em Salvador.
Mas o paradoxo é apenas aparente. Ao afirmar que a eleição de Dilma será "mais importante" do que a de Lula, Dirceu desenhou um modelo de governo de coalizão em que o seu partido ocuparia um espaço desproporcional ao de seus aliados, incluindo o PMDB que forneceu o vice da chapa de Dilma, deputado Michel Temer. O PT, argumenta Dirceu, não tem maioria para eleger o presidente, porém, chegando ao Planalto pela terceira vez, tem condições inéditas de conduzir efetivamente o governo, partilhando "o pão", como diria Temer, não o leme do poder.
Isso porque, diferentemente de Lula, "que é duas vezes maior que o PT", mas já não estará lá, Dilma, não sendo "uma liderança que tinha uma grande expressão popular, eleitoral, uma raiz histórica no País", estará fadada a encarnar o projeto político que lhe for servido pelo partido - no qual não tem raízes históricas nem jamais representou uma liderança expressiva. Falta, naturalmente, combinar com o seu criador. Em mais de uma oportunidade, Lula deixou claro que pretende ser a partir de 2011 um presidente-sombra, arquivada a idílica lorota de que se dedicaria a ficar assando coelhos no seu sítio. E Dirceu obviamente não ignora que, a se consumar a vitória de Dilma, terá sido Lula o verdadeiro vencedor.
À parte as ambições pessoais de Dirceu, enquanto espera a sentença da Justiça sobre a acusação de que foi o "chefe da quadrilha" do mensalão, registre-se que o papel que ele tem em mente para os partidos parceiros de Dilma é o mesmo que o seu detrator, o deputado petebista, também cassado, Roberto Jefferson, descreveu já em 2005. Aos aliados, cargos, verbas e facilidades, mas nenhum assento na mesa das decisões estratégicas. De novo, falta combinar com os russos - a caciquia peemedebista. Os enxundiosos interesses fisiológicos do partido não excluem que, no pós-Lula, funcione como freio e contrapeso à guinada para a esquerda que o PT procuraria imprimir a um governo Dilma.
Até que ponto essa seja a meta de Dirceu, quando fala em "aprofundar as mudanças, cuidar do partido, dos movimentos sociais, da organização popular", é uma questão em aberto. O ex-capitão do time de Lula, como este o chamava, é um expert em dosar ideologia, pragmatismo - e negócios, bem entendido. O certo, de todo modo, é que o PMDB se oporá, como já se opôs no episódio do programa de Dilma, a qualquer iniciativa de "controle social" dos meios de comunicação que Dirceu venha a incentivar, em parte por convicção, em parte para agradar à companheirada com que conta para voltar a ser o número um do partido.
Ele verbera "o abuso do poder de informar" da mídia nacional, um imaginário bloco monolítico, além de aliada por excelência do "poder econômico" - como se o aliado de escolha das elites do capital não fosse, isso sim, o presidente Lula. O que Dirceu não consegue esconder é o seu ressentimento com a posição do adversário Antonio Palocci na campanha de Dilma. Ele acusa a imprensa de "pressionar pela constituição do governo", como se fosse ela, e não o presidente Lula, que tivesse planos de poder para o ex-ministro da Fazenda também na eventual gestão de sua sucessora.
A reação do PT à fala de Dirceu foi de puro constrangimento. Tudo que o partido não precisa é ele dividir o palco com Dilma. Já basta que a propaganda do tucano José Serra identifique a candidata com o antecessor derrubado pelo mensalão. "Quem fala pela campanha é o presidente do partido, José Eduardo Dutra", corrigiu o secretário petista de Comunicação, André Vargas. "Não é o José Dirceu."
Entrevista:O Estado inteligente
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