O Globo - 03/09/2010
PIB e Juros
O PIB do segundo trimestre do ano sai hoje e deve ficar em torno de 1%. A maioria do mercado aposta num número menor, em torno de 0,7%. Uma taxa em torno de 1%, mesmo ficando acima da média das previsões, significa que o país desacelerou: crescia ao ritmo de 11% no começo do ano, reduziu a marcha para 4%. A alta dos juros e o fim dos incentivos fiscais produziram o efeito desejado.
O Banco Central tem muitos argumentos para justificar sua decisão de não subir as taxas de juros, mesmo que o PIB venha no pico das previsões de mercado. A inflação ao consumidor deve completar três meses em zero, o nível de atividade desacelerou e a inflação em 12 meses está no centro da meta. A economia internacional está instável.
No mercado, há quem avalie que a política monetária tem dado sinais diferentes, nos textos e nas decisões, e que perdeu a capacidade de análise. Mas a realidade é que tem mudado. Em abril, diante da aceleração da inflação e de um primeiro trimestre superaquecido, o Banco Central aumentou os juros em 0,75 p.p. e fez comunicados mostrando preocupação. Na reunião seguinte, de novo 0,75 p.p., e por fim, em julho, nova alta para 0,5 ponto.
De lá para cá, as incertezas internacionais aumentaram, o quadro interno ficou diferente, por isso as decisões do Copom mudaram. A economia americana saiu de uma forte recuperação para o fantasma do duplo mergulho. A Europa afastou o risco de nova crise financeira, mas ficará longo tempo sem crescer. Até a Alemanha que teve um número forte de PIB perde fôlego. Isso tudo e o quadro doméstico de desaquecimento permitiram que o Banco Central interrompesse a elevação dos juros.
O problema grave é o descompasso entre política monetária e política fiscal. No atual momento, o país cresce de forma mais equilibrada e a inflação está sob controle. A crescente desordem fiscal, no entanto, aponta para mais inflação no futuro. Não é um ponto a mais ou a menos nas taxas de juros que resolverá o problema que decorre do vale tudo do governo Lula para ganhar a eleição.
Olhando-se as efetivas condições de inflação e nível de atividade, o Banco Central está correto. O que pode dar errado não cabe a ele resolver agora. Quando alguns críticos insistem que o BC não deveria encerrar seu ciclo de aperto da política monetária têm no horizonte a crise que está sendo contratada pela insensata mistura de mais gastos, menos transparência nas contas públicas, dívidas cruzadas entre estatais, truques contábeis para criar receita, e esconder despesas e déficits. Mas isso está fora da alçada do Banco Central.
O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco emitiu relatório defendendo flexibilidade para o BC porque o cenário da economia mundial é incerto.
"Honestamente, não vemos problema em que o BC tenha que no futuro retomar a subida de juros caso a atividade se reaqueça demasiadamente. O Banco Central construiu reputação e credibilidade suficientes para navegar neste cenário incerto com maior flexibilidade do que no passado e, eventualmente, por se tratar de momentos excepcionais na economia mundial, implementar, à luz da análise futura, uma política monetária eventualmente mais errática para os padrões brasileiros, com pausas e recomeços", disse o banco.
A produção industrial de julho, divulgada terça-feira pelo IBGE, foi de recuperação, mas apenas leve. Depois de acumular 2% de queda, em três meses seguidos de encolhimento, a indústria cresceu 0,4%. Ou seja, não se recuperou do tombo. O que mostra que a aceleração forte do começo do ano foi turbinada pela manutenção prolongada dos incentivos fiscais. A redução dos tributos demorou a ser suspensa porque o governo estava querendo produzir uma bolha de crescimento para fins eleitorais. O Banco Central começou então o ciclo de aperto da política monetária. Isso e a suspensão das deduções de tributos reduziram o excesso do crescimento que poderia levar à inflação. Mesmo assim, o país cresceu em ritmo razoável no segundo trimestre como se verá hoje. No terceiro trimestre, pode crescer um pouco mais, mas o dado de julho mostrou que essa retomada será mais suave.
Entre os que defendiam, desde antes da reunião, a manutenção dos juros, também estão os economistas José Júlio Senna, da MCM Consultores, e Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Senna explica que nas últimas semanas houve mudanças nas economias brasileira e mundial e elas justificam a parada técnica nos juros: a inflação parou de subir; o comércio e a indústria perderam fôlego; e, principalmente, a recuperação internacional ficou incerta:
- As economias desenvolvidas dão sinais de que não estão em recuperação, ou seja, estão crescendo abaixo do PIB potencial. Se isso se confirmar, haverá impacto sobre a confiança dos empresários no Brasil porque a rentabilidade das empresas será afetada - afirmou Senna.
Luiz Roberto Cunha avalia que não haverá pressão nos preços nos próximos meses. Ele lembra que o IPCA deve ficar por três meses em zero: em junho registrou 0,00%; em julho, 0,01%; e em agosto deve ser 0,05%, segundo sua projeção.
- O BC está com cenário tranquilo para a inflação. Os números surpreenderam para baixo e os analistas se renderam. Até mesmo em setembro, quando o IPCA deve voltar a subir, para 0,40%, não teremos uma taxa alta. O acumulado em 12 meses continuará em torno do centro de 4,5% - disse.
Tudo bem no curto prazo. O problema que nos ameaça é o custo da confusão fiscal deste fim de festa produzida para garantir a vitória eleitoral.
Entrevista:O Estado inteligente
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