JORNAL DO BRASIL
Diz-se por dizer, mesmo sem necessidade, que cada eleição nada fica a dever à anterior ou a receber da que vier depois. Qualquer uma dispensa considerações que não sejam finais e, mesmo quando o candidato se repete, a reeleição pouco tem a ver com a eleição. Reeleição não é repetição, mas um recurso. Uma e outra são faces diferentes da mesma moeda, sem nada a ver com o dinheiro que corre por fora.
O melhor exemplo para dispensar, com a devida licença, a comprovação do que está oculto nos fatos é o presidente Lula, que começou lá atrás a série de candidaturas da qual não se liberta e, depois de três insucessos - bem à esquerda, num país não tanto – acabou bem sucedido na quarta tentativa. A vitória destacou a diferença, não do candidato, mas do teor da candidatura, numa carta de intenções de direita, na qual Lula encontrou a moldura que lhe faltava. O eleitorado simpatizou com o novo perfil e, daí por diante, Lula e o PT foram jogando ao mar mercadoria supérflua e companheiros históricos. A quarta candidatura Luiz Inácio Lula da Silva nada ficou devendo às três anteriores, exceto o aprendizado que demonstrou ser mais fácil mudar um candidato do que tranqüilizar a maioria indispensável para eleger um presidente.
Até se eleger, graças a uma carta psicografada, cujo autor não foi conhecido, Lula não precisou fazer maiores concessões. A sociedade fez a leitura de um ponto de vista liberto de prevenções, e acreditou. O recado estava nas entrelinhas, reservadas a um público menor, que não pode se distrair e sabe decifrar códigos. O recado oculto e o discurso explícito tinham públicos diferentes, que se mantiveram dentro das diferenças que os separam. Depois de dois mandatos, mais lulistas que petistas, a campanha eleitoral em curso também se apresenta com outra ordem de considerações, como ocorre com receita médica que, mais que a doença, costuma assustar o paciente com hipóteses que lhe tiram o sono.
A hora da mentira eleitoral não está sendo convincente diante da verdade implícita na campanha da candidata do PT e aliados, e que ficou mais visível a olhos leigos, desde que o presidente da República voltou à cena, não se sabe bem para que, mas possivelmente porque pressente na candidata de Dilma Rouseff um estilo que, afastando-se dele, não deixa de utilizar um cacoete que não a ressarcirá de votos que perde pelo caminho. Quando discorre na teevisão, Dilma acha demais, sem acrescentar uma virgula ao que outros acharam antes. É um vício o uso do verbo achar.
Nunca, neste país, um presidente da República foi tão longe quanto Lula com a falta de cerimônia com que trata a República como um clube do qual fosse presidente. O exercício do poder presidencial não pode desconhecer que todos os brasileiros são iguais perante a lei e perante ele. Ao tomar posse, um presidente liberta-se dos vínculos partidários e assume a mesma responsabilidade com todos os cidadãos. Ao substituir a candidata no programa de televisão, Lula levou o presidencialismo a um ponto de cujas implicações nem se deu conta. E deixou um rastro de suspeitas. Nada indica que, no caso de se eleger, Dilma Rousseff conseguirá, desde logo, marcar diferença pessoal no exercício das responsabilidade pública e se distanciar da tutela a que se submeteu na campanha eleitoral.
Há desdobramentos que levam a outra hipóteses, mas a preliminar do governo Dilma Rousseff (em caso de vitória, como é tratada) será a de praticar atos que reflitam uma personalidade e um estilo próprios, e não o eco do que Lula fez ou deixou de fazer, de olho em 2014. Os dados estão lançados, falta apenas um croupier proclamar ritualmente para garantir solenidade: “Les jeux sont faits”. E seja o que a democracia puder evitar de pior e a legalidade garantir o que sobrar de aproveitável.
(Artigo publicado em 12.9.2010)
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