- O Estado de S.Paulo
O futuro presidente vai receber um país melhor, que reduziu as desigualdades sociais, manteve a economia organizada, seguiu o bem-sucedido tripé de Fernando Henrique Cardoso (metas de inflação-câmbio flutuante-controle fiscal), gerou empregos e promoveu crescimento econômico. Este é o lado bom do governo Lula a que os três candidatos com chances de vitória se comprometem a dar seguimento. Mas há o lado ruim, certas bombas de efeito retardado que o novo governante precisa desarmar logo se quiser governar em paz em direção ao progresso e qualidade de vida da população.
A pior delas acaba de explodir porque Lula, em vez de tentar desarmá-la, a inflou com mais dinamite: o condenável uso do Estado a serviço da candidata do governo fez a bomba explodir na Receita Federal, um respeitado e confiável órgão de Estado, que deveria zelar pelo sagrado direito de privacidade dos brasileiros e foi flagrado bisbilhotando a vida de opositores para usar na campanha eleitoral. Resultado: em poucas horas a credibilidade da Receita foi ao chão. E reconstruir o que está desmoralizado não é fácil, leva tempo. Será preciso trocar comandos, virar pelo avesso, fazer uma devassa para recuperar a imagem da Receita.
E que bombas são essas?
Reforma do Estado - É o pior legado de Lula. Para acomodar companheiros, ele duplicou o número de ministérios, gerando gastos desnecessários. Para comprar partidos aliados, loteou o governo e o Estado com políticos despreparados e a serviço de seu partido, não da população. Tirou o caráter técnico, politizou e enfraqueceu as agências reguladoras, prejudicando a eficiência na regulação e fiscalização dos serviços públicos. Com isso a corrupção prosperou e predominou em seu governo.
Seu sucessor precisa desfazer esse aparato, eliminar ministérios inúteis, capacitar tecnicamente os funcionários nas funções de planejar e regular, economizar recursos direcionando-os para saúde, educação, saneamento, segurança e programas sociais. E, já na partida, dar um freio de arrumação na distribuição de cargos, valorizando funcionários de carreira e oferecendo à sua base aliada cargos de representação política, deixando os técnicos para quem for capacitado.
Relação com o Congresso - Se no governo FHC já existia o toma lá dá cá entre Executivo e Congresso, na gestão Lula virou regra comum. Não havia uma matéria em que, para votar, deputados e senadores não cobrassem favores, cargos, liberação de verbas. Desde o mensalão, no primeiro mandato, Lula mostrou-se fraco, cedeu e foi cedendo aos caciques do PMDB e demais partidos, até tornar o toma lá dá cá uma norma corriqueira.
O novo presidente precisa entrar mostrando força, invertendo essa relação perniciosa que desmoraliza a imagem do Congresso, decepciona e reforça a percepção dos eleitores de que "ali não se salva ninguém".
Dívida pública - O preço do sucesso do governo Lula na economia - a expansão dos programas sociais, crescimento econômico e geração de empregos - foi o aumento do endividamento. Ele não vacilou em ampliar a dívida pública para emprestar dinheiro para o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal repassarem créditos de investimento às empresas e à Petrobrás. E a dívida bruta hoje já ultrapassa 60% do Produto Interno Bruto (PIB).
Quando era possível amortizar o valor principal, nos primeiros seis anos de prosperidade e expansão da arrecadação tributária, Lula não o fez e preferiu optar pelo aumento dos gastos correntes. Com isso o estoque da dívida continuou subindo. O novo presidente vai enfrentar o desafio de fazer o oposto: não se limitar a pagar só juros, retomar o bom hábito de amortizar, abater o valor total e ganhar mais segurança para atravessar seu mandato com menor risco de crise.
Gastos públicos - Organizar o que Lula desorganizou, definindo prioridades e concentrando gastos em itens que façam a diferença para a qualidade de vida da população mais pobre. Ou seja, melhorar o atendimento em hospitais públicos, capacitá-los para aumentar o número de cirurgias e ampliar o orçamento para o Ministério da Saúde. Também na educação, qualificar professores, reduzir o analfabetismo funcional, oferecer ensino de qualidade. E ampliar gastos também para a segurança e o saneamento básico.
Investimento em infraestrutura - Apesar do bom desempenho econômico, Lula vai concluir seu mandato com uma taxa de investimento medíocre de 17,9%, muito abaixo dos 25% necessários para garantir um ritmo sadio de crescimento econômico.
O Estado até expandiu investimentos na reta final do governo com o PAC, o programa Minha Casa, Minha Vida e a promessa do pré-sal. Mas, para atrair investimento privado em infraestrutura, o governo Lula fez tudo errado, a começar pela politização das agências reguladoras e sucessivas mudanças em marcos regulatórios, que geram insegurança e afastam investidores. É mais um setor que o novo governante precisa virar pelo avesso para obter bons resultados.
Investimentos específicos - Há três projetos que precisam de uma reavaliação, mesmo que o presidente seja Dilma Rousseff. São a Usina de Belo Monte, o modelo de exploração de petróleo da área do pré-sal e o trem-bala entre Campinas e Rio de Janeiro. Entre a concepção e a execução, os três apresentaram dificuldades que a razão aconselha a reavaliação.
O investimento em Belo Monte nasceu privado e vai terminar estatal, porque dúvidas quanto à rentabilidade afastaram investidores privados.
A complicada capitalização da Petrobrás para obter recursos e investir no pré-sal é apenas o começo das dificuldades que a estatal enfrentará para custear a maior parte desses investimentos. Seria o caso de o novo governo pensar em mudar o modelo e dividir esse custo com outras empresas privadas.
E o trem-bala, um sugador de dinheiro público de tão poucos benefícios, seria recomendável desistir dele e redirecionar os recursos para áreas mais carentes.
Reformas estruturais - Por último, mas de importância fundamental para a eficiência da gestão pública, estão as reformas - política, tributária, previdenciária e trabalhista. Sem elas, o novo governante vai trabalhar como FHC e Lula: emperrado, limitado e dependente das circunstâncias.
Entrevista:O Estado inteligente
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