O GLOBO
A disputa sobre os royalties do petróleo pode custar mais caro ao governo do que está sendo contabilizado até o momento. O projeto de lei do deputado do PMDB do Rio Grande do Sul Ibsen Pinheiro, que alterou a distribuição dos royalties prejudicando brutalmente os estados produtores, notadamente o Rio de Janeiro, que produz 85% do petróleo nacional, está levando a que a discussão que recomeça no Senado se volte para a mudança do sistema de exploração do produto na camada do pré-sal, de concessão para o de partilha.
O senador Francisco Dornelles, do PP, está liderando essa alteração de agenda política, certo de que é muito mais importante discutir o que classifica de reestatização do setor petrolífero do que a redistribuição dos royalties, que depende basicamente da definição do sistema de exploração.
No sistema de concessão até então vigente no país, e com excelentes resultados na sua avaliação, que serviu também para cerca de 30% das áreas do pré-sal já licitadas, as companhias exploradoras de petróleo pagavam não apenas royalties como também participações especiais aos estados produtores.
A legislação brasileira previa que as concessionárias devem uma indenização à União, aos estados e municípios, por eventuais danos ambientais e pelo uso de suas infraestruturas na exploração e produção de petróleo e gás.
O pagamento de royalties mensais, e de participações especiais trimestrais, de acordo com o volume de petróleo e gás produzido, está previsto na Constituição de 1988, também como maneira de compensar a não incidência na origem do ICMS sobre a venda do petróleo.
No regime de partilha, que o governo quer implantar na exploração das jazidas do pré-sal, não há mais participações especiais, e a empresa exploradora do petróleo será ressarcida pelos royalties devidos, que passarão a fazer parte do cálculo do custo do investimento.
Como nas novas regras do pré-sal a Petrobras tem garantia de participação no mínimo de 30% de todos os campos, a estatal do petróleo será a grande beneficiária dessas normas.
Dornelles diz que está sendo criado para a Petrobras um verdadeiro paraíso fiscal.
Já havia a desconfiança de que a mudança do sistema seria mais difícil de ser aprovada do que imaginava o governo, pois uma questão técnica estava sendo substituída pela disputa ideológica, e nesse campo o governo corre o risco de ver sua base partidária heterogênea se dividir.
Os partidos de esquerda que formam o chamado bloquinho PDT, PCdoB, PSB certamente formarão ao lado do governo, na tentativa de aprovar a mudança de modelo, reforçando o aspecto estatizante da proposta.
Mas a oposição, à frente PSDB e DEM, quase certamente teria o apoio de partidos de centro-direita, como PP, PTB, PRB e parte do PMDB, para a manutenção do sistema de concessão.
Por isso o governo está querendo aprovar as regras para o pré-sal antes, deixando para o final a discussão sobre o sistema de partilha, o que o senador Dornelles considera um contrassenso: Se não aprovarmos a mudança do sistema de exploração, por que a distribuição dos royalties seria alterada?, pergunta o senador do Rio.
A disposição de enfrentamento, diante da ameaça às finanças do Estado do Rio, fica patente na recusa de negociar o projeto Ibsen Pinheiro.
Segundo Dornelles, o Rio não pode aceitar uma esmola em troca de um direito.
A firmeza da posição dos representantes do Rio está também baseada na convicção de que o projeto é inconstitucional.
O procurador geral em exercício do Estado do Rio, Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas, enumera uma série de razões que definem a sua inconstitucionalidade:
1 A constituição (art. 20 § 1º) é clara no sentido de que quem tem direito a receber royalties são os estados e municípios em cujo território se dá a exploração, já que é expressa a função dos royalties de pagar parte dos prejuízos causados pela exploração.
2 O Supremo Tribunal Federal já afirmou que os royalties se constituem em receita própria e originária dos estados onde se localiza a exploração, às quais eles fazem jus não por uma gentileza da União, mas por força da Constituição.
3 Combater o direito do Estado do Rio sustentando que o petróleo está no mar é juridicamente falso, pois o território de todos os estados e municípios litorâneos tem uma projeção marítima.
Prova disso é que, se alguém comete um homicídio numa plataforma da Petrobras na Bacia de Campos, será processado e julgado pela Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
As escolas localizadas na Ilha Grande, por exemplo, são mantidas pelo município de Angra, e os exemplos poderiam continuar. Aliás, se o deputado estivesse certo chegaríamos à conclusão de que Florianópolis, capital de um estado, não se localiza neste estado e sim em território federal.
4 Alterar a regra de distribuição das áreas já licitadas e em exploração é uma gravíssima violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, pilares de qualquer democracia e que, no Brasil, são cláusulas pétreas.
5 Retirar, de uma hora para outra, percentual tão elevado de uma receita própria de uma unidade da federação atenta contra outra cláusula pétrea da Constituição, que é a proteção da própria federação, além de violar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
6 Considerando que, no Rio, os royalties estão compromissados, em boa parte, com o pagamentos de benefícios previdenciários e com a proteção ambiental, com recursos previstos no orçamento e no plano plurianual, cortar esses recursos de um dia para o outro seria um atentado contra os preceitos da responsabilidade fiscal e da proteção ambiental, ambos previstos na Constituição.
Entrevista:O Estado inteligente
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