O GLOBO - 11/03/10
O que prevalecerá na eleição presidencial deste ano, a capacidade de sedução popular do presidente Lula e a boa situação da economia, proporcionando uma sensação de bem-estar à população, ou a percepção de parte do eleitorado de que uma política externa cada vez mais radicalizada à esquerda tem reflexos inevitáveis na maneira de conduzir a política interna?
Mais ainda: a visão cada vez mais clara a favor de um Estado forte e ativista, que a ministra Dilma representa, indutor não apenas de investimentos, mas que escolhe as áreas prioritárias, financia projetos de grandes empresas multinacionais, privadas ou estatais, e define vencidos e vencedores, tem apoio da maioria da população ou é repudiada por ela? Para quem já declarou que "uma pessoa idosa de esquerda deve ter problemas", o presidente Lula está se saindo melhor do que encomenda.
Ele já contou que resolveu criar o Partido dos Trabalhadores para se contrapor à atuação dos comunistas dentro das fábricas.
Lula definitivamente não é comunista, pode ser no máximo um socialdemocrata tipo europeu, mesmo sem saber mais semelhante aos seus arqui-inimigos do PSDB do que gostaria, mas cercado de assessores que ainda acreditam na implantação do socialismo.
Sua formação de líder sindicalista, acostumado a centralizar as decisões e a enfrentamentos radicais com grupos adversários, deixou-lhe no espírito uma queda por regimes autoritários que conseguem resultados rápidos, daí a admiração por planejamentos centralizados como os do governo Geisel.
Sua opção preferencial pelos ditadores o aproxima cada vez mais de governos comunistas como o de Fidel Castro, e de teocracias autoritárias como a do Irã, como forma de se contrapor aos Estados Unidos, não para se opor a ele.
Lula sonha ser um polo de poder internacional, e por isso se coloca como possível mediador da crise do Oriente Médio, sem nenhuma base histórica nem geográfica para tanto.
Na América Latina, aproximase cada vez mais de regimes autocráticos como o de Hugo Chávez na Venezuela e seus satélites Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, no Equador, Daniel Ortega, na Nicarágua, e se distancia de governos "de direita" como o do recém-eleito presidente do Chile Sebastián Piñera, único que protestou contra a prisão de dissidentes em Cuba na recente cúpula de países latinos e do Caribe no México, e a cuja posse Lula não terá tempo para comparecer.
Uma tendência que já vinha se firmando no panorama internacional, e que a crise internacional desencadeada em 2008 e ainda não totalmente superada incentivou, é o fortalecimento da estatização da economia.
E junto com ela uma ideia enganosa que é alimentada por um grupo forte dentro do governo Lula, de que o Estado deve ampliar sua atuação na economia de maneira perene, e não emergencial.
Ao mesmo tempo, já antes mesmo da crise, uma mudança estrutural vinha ocorrendo, superando uma tese antiga de que democracia e capitalismo sempre tiveram estreita correlação: o surgimento de países capitalistas não-democráticos.
As teses que ligavam a expansão econômica ao fortalecimento da democracia foram desmentidas nos últimos anos, constata o historiador inglês Niall Ferguson.
Entre 2001 e 2007, nunca o mundo como um todo experimentou um crescimento econômico tão expressivo, e apesar disso a democracia ganhou muito pouco nesse período.
Ao contrário, diz ele, as economias que cresceram mais rapidamente desde 2000 foram as de países não-democráticos.
Ferguson analisa o caso dos chamados Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), conjunto de países que, segundo a consultoria Americana Goldman Sachs, serão as principais economias dentro de 40 a 50 anos.
Enquanto a parte da comunista China no PIB mundial cresceu 2,5 pontos percentuais nos últimos sete anos, a democrática Índia cresceu apenas 0,6%.
A Rússia autocrática de Putin teve performance superior ao democrático Brasil por uma margem comparável.
E essa disparidade entre democracias e autocracias tende a se ampliar, ressalta Ferguson em trabalho já comentado aqui na coluna. A íntima relação benéfica entre capitalismo e democracia parecia existir entre os anos 1980 e 1990 do século passado, mas hoje essa relação direta desapareceu.
Ferguson destaca que uma economia comandada pelo Estado está enriquecendo a China e outros países asiáticos, sem importar seus sistemas políticos, enquanto suas demandas por energia e commodities enriquecem produtores democráticos e não-democráticos indistintamente.
O que fortalece ideias de governos fortes, tentativas de controle da opinião pública, utilização de instrumentos da democracia como plebiscitos e referendos para manipulação do eleitorado, e o fortalecimento de representações sindicais e de classe em conselhos com poderes decisórios, para superar o Congresso.
A ideia de Estado forte encontra um amplo respaldo na população brasileira, como ficou demonstrado no debate provocado por Lula no segundo turno da eleição de 2006 sobre as privatizações.
Recente pesquisa encomendada pelo Instituto Millenium revela que no geral os brasileiros são contra a estatização de empresas multinacionais, de grande porte, veículos de comunicação e bancos. Também mostraram-se contra a privatização de empresas como Petrobras, Caixa Econômica, BNDES, Furnas etc.
Mas os resultados são sempre muito equilibrados, mostrando que o país está dividido. Apenas metade dos brasileiros é contrária à estatização, e a população da Região Sudeste é a que tem a mentalidade mais estatizante.
Entrevista:O Estado inteligente
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