O ESTADO DE SÃO PAULO - 07/02/10
Quando a crise financeira global eclodiu, em setembro de 2008, governos e instituições financeiras afetados começaram a construir alguns consensos. Em desvantagem e desmoralizados por erros cometidos que levaram à crise, executivos de bancos concordaram que: 1) As instituições, sobretudo fundos e bancos de investimento, precisam ter suas operações vigiadas e regulamentadas; 2) até então omissos, os bancos centrais devem se preparar para fiscalizar e regulamentar o mercado; 3) se quiserem recuperar a credibilidade, abalada por não terem previsto a quebradeira de grandes bancos, as agências de risco têm de mudar seus critérios de avaliação; e 4) regras preventivas devem ser incentivadas, entre elas a remuneração de prêmios por desempenho dos executivos para evitar atuações levianas e exageradas, geradoras de bolhas e de correntes da felicidade que o ex-presidente do banco central dos EUA Alan Greenspan chamava com elegância de "exuberância do mercado".
Nos EUA, na Europa e no Japão os governos gastaram trilhões de dólares, libras, euros e ienes para socorrer bancos, seguradoras e instituições financeiras e evitar que o mal se alastrasse, destruindo a economia real.
Não demorou muito. O primeiro consenso desconstruído foi o da remuneração dos executivos. Usando dinheiro do contribuinte, já no 1º semestre de 2009 diretores de bancos norte-americanos trataram de restabelecer os milionários bônus por desempenho pagos a eles próprios. Barack Obama chiou, a população reclamou, indignada, mas a lei garantiu o pagamento acintoso. Na Europa os executivos respeitaram um pouco mais a solidariedade compulsória do contribuinte.
E no Brasil? Bom, por aqui, como se sabe, a crise foi amortecida por um sistema de regulação e fiscalização em vigor desde o governo FHC, que obrigou bancos a se ajustarem muito antes da crise. Mas nessas regras nada havia em relação à remuneração extra de executivos. Mesmo porque, com exceção do caso do extinto Banco Nacional, não havia histórico de atuações atípicas de executivos com o objetivo de beneficiar a si próprios. Mesmo o caso do Nacional é diferente, porque se enquadra muito mais na prática de fraude (um grupo de executivos originários do Citibank chegou ao Nacional em 1986 e montou um esquema de contabilidade camuflado, com 600 contas bancárias fantasmas, que escondiam a real situação de falência do banco. Descoberta a fraude, o Nacional arrancou dos cofres públicos mais de R$ 6 bilhões).
Agora o Banco Central (BC) propôs regras para premiar executivos por desempenho, trazidas do debate internacional, no espírito de prevenir crises futuras. O BC nada impôs, divulgou sua proposta e a colocou em audiência pública por 90 dias, para ouvir opiniões e sugestões. Mas a grita já começou. Ela vem de advogados prepostos questionando a legalidade da proposta. Mesmo porque executivo de banco não grita, age em silêncio, porque sabe que em surdina consegue melhores resultados.
Questionada pela imprensa, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou nota afirmando que "as políticas de remuneração dos bancos brasileiros são, no geral, mais conservadoras do que em outros países". Um ex-presidente do BC que se manteve anônimo disse ao Estado que o BC "está caçando fantasmas". Outro ex-presidente, Gustavo Franco, lembra ser sempre bom trazer normas internacionais, mas ressalva que aqui a presença do acionista controlador impede gestões que prejudiquem a saúde do banco no futuro. Engana-se Franco: nem todos têm o controlador por perto. Os estrangeiros, que no ranking começam a encostar nos brasileiros graúdos e já têm escala para fazer estragos, mantêm o controlador muito distante.
O que quer o BC? Simplesmente colar, comprometer o pagamento de bônus a executivos ao desempenho futuro do banco, evitando políticas de lucros milionários no curto prazo (que garantem bônus também milionários, mas prejudicam a saúde do banco no médio e no longo prazos). E como? O BC não contesta o pagamento nem limita valores. Em vez de receber à vista, o executivo leva metade em ações do banco e a outra metade, 60% à vista e 40% parcelados em três anos.
Na Europa a legislação pós-crise ficou bem mais agressiva com a remuneração dos executivos. A liberal Inglaterra criou o "superimposto" de 50% para as gratificações acima de 25 mil libras (US$ 40 mil), e a França quer fazer o mesmo.
Se não for mais um factoide eleitoral do governo Lula, a regulamentação é bem-vinda.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)