Não é verdade
Não é verdade, não é verdade, murmurou de si para si mesmo o ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos, na frente de todo o Congresso, de todo o governo, de todos os americanos, na frente do Presidente Obama. E contra o Presidente Obama.
Fato inédito na história do país. Dois poderes ao vivo, Judiciário e Executivo, discordando.
Foi durante o discurso anual State of the Union, grande momento de celebração da nação americana, quando todos se unem, sob a liderança do Presidente, que presta contas e diz o que pretende fazer no ano que se inicia.
Essa celebração tem algumas características tradicionais. Em primeiro lugar todos aplaudem o tempo todo o Presidente. Estejam ou não cem por cento de acordo com ele
O importante é - como diz o discurso - demonstrar a união. É o discurso da união.
Em segundo lugar, só quem não aplaude, e fica calado ouvindo o tempo todo em silêncio absoluto, são os ministros do Supremo.
Lá eles não podem dar a mínima demonstração pública de aprovação ou de desaprovação sobre nenhuma política de governo, pois podem vir a julgar essa mesma política. Julgar o Presidente. E a imparcialidade pública é evidência maior da independência da Suprema Corte.
O ministro Alito não piscou, mas resmungou. Um acidente, acredita-se, uma manifestação humana, talvez demasiadamente humana. A leitura labial foi unânime. Não é verdade, ele disse. Obama não hesitou em criticar a Suprema Corte que, mudando mais de cem anos de jurisprudência, permitiu que as empresas façam doações ilimitadas aos candidatos em época eleitoral.
Doações ilimitadas, acredita Obama, vão desequilibrar as eleições e favorecer os candidatos dos mais ricos, que terão mais recursos para gastar. Em outras palavras, eles favorecerão os republicanos.
Como se contrapor a essa decisão da Suprema Corte?
Obama foi muito claro. Disse mais ou menos o seguinte. Num regime democrático de separação de poderes, somente o Congresso, que representa o povo, pode se opor ao Supremo legitimamente.
Pediu então ao Congresso que neste ano aprove novas leis reatabelecendo a competição eleitoral equilibrada. Já houve época em que alguns brasileiros diziam que o que é bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil. Agora parece ser o contrário.
Na recente crise financeira, a regulação que tínhamos dos bancos nos ajudou a sobreviver bem. Os Estados Unidos, sem regulação, quase se diluiram. Quem afirma é o próprio Secretário do Tesouro de Bush Jr. de então, Henry Paulson.
Em Davos, agora, se prega para os outros países o que o Brasil já faz há mais de uma década: controle maior dos bancos.
Kopenhagen prega para o mundo a preservação de meio ambiente, tendo o Brasil preservado o seu melhor do que os países desenvolvidos.
Temos o horário eleitoral que estabelece um patamar de igualdade e de barreira ao abuso do dinheiro, o que os Estados Unidos não têm. Temos também regras para a televisão, que como concessão pública, é obrigada a tratar os candidatos igualmente. Os Estados Unidos não têm.
Outra coisa que nos diferencia - nesse caso em nosso desfavor - é que aqui o Congresso Nacional tem apenas 9,3% de aprovação popular, como conferiu, ontem, a pesquisa CNT Sensus.
Ou seja, a legitimidade política do nosso Congresso é extremamente frágil, e o seu processo decisório extremamente complexo para enfrentar, como se permite numa democracia, divergências quer com o Supremo quer com o Presidente da República.
Daí mais do que nunca a necessidade de se pensar em qual senador e qual deputado se vai votar.
A hora de transformar a crítica aos políticos em ação é agora. O bom Congresso é antes de tudo responsabilidade de cada eleitor.