O Estado de S. Paulo - 05/02/2010
Ontem os mercados sentiram a fraqueza de pernas que ataca os países de alta renda (veja tabela e o Confira).
Há apenas 15 dias, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, denunciava a fragilidade da situação fiscal "de muitos países do bloco do euro". De lá para cá, os capitais fugiram espantados com a falta de segurança inspirada pelos títulos de dívida dos chamados Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) e, ontem, Trichet convidou os analistas a dar melhor proporção às coisas: "A zona do euro tem situação fiscal melhor do que Estados Unidos e Japão."
Na semana passada, os mercados haviam festejado o crescimento do PIB americano no quarto trimestre, a um ritmo animador de 5,7% ao ano. Mas mantiveram-se cegos a dois dados essenciais. O primeiro é o de que esse avanço do PIB não passa do efeito de um doping: o dos trilhões de dólares injetados nos bancos e na economia dos Estados Unidos pelo Tesouro e pelo Federal Reserve (Fed). E o segundo, o de que crescimento econômico com aumento do desemprego não pode ser confiável, já que não sustenta o aumento da produção.
Para agravar o quadro, até mesmo a qualidade dos títulos soberanos do país mais poderoso do mundo começa a ser questionada. Ontem, uma das três mais importantes agências de classificação de risco, a Moody"s, advertiu que poderá desclassificar os Títulos e Notas do Tesouro americano, referência número 1 do mercado de ativos. Imagine o baque que uma desclassificação dessas produziria nas reservas internacionais dos bancos centrais e no patrimônio de fundos de pensão e seguradoras.
A rigor, os mercados não vêm reagindo a nenhum dado novo. A deterioração das finanças dos países riscos é amplamente conhecida. Se houve alguma coisa nova foi ter "caído a ficha". A corrida em direção aos refúgios em dólares parece ter sido apenas instintiva. Logo essa gente vai se perguntar se, diante do que já se sabe sobre a situação fiscal dos Estados Unidos, o dólar merece toda essa confiança.
Essas coisas descrevem um desenho lógico, como escreveu Chico Buarque. E o que se pergunta agora é se o treme-treme de ontem não reflete a tão temida curva em W da atividade econômica global, ou seja, de nova recaída para uma recuperação sabe-se lá quando.
Se esse desenho se confirmar, os bancos centrais dos países ricos terão de adiar indefinidamente o início da estratégia de saída, ou seja, o início do enxugamento do excesso de recursos que hoje zanza pelos mercados.
E o Banco Central do Brasil, que ontem acenou para mais dureza na condução da política de juros, poderá vir a ser obrigado a rever essa postura.
Confira
Falta o lado de lá - A derrubada dos mercados começou na Europa, quando as bolsas da Ásia já tinham fechado seus trabalhos. Apenas a partir da madrugada de hoje é que se saberá como as bolsas do Oriente terão reagido ao vendaval.
Entrevista:O Estado inteligente
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