De namoro com o Brasil
Figura polêmica em Portugal, onde é um campeão de vendas, o escritor
e jornalista Miguel Sousa Tavares anda pensando em se mudar para o Rio
Jerônimo Teixeira, de Lisboa
Fotos Bel Pedrosa/Cia das Letras/Ann Johansson/ Latinstock |
ROMANCE NA AREIA |
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• Trecho: No Teu Deserto |
O jornalista e escritor português Miguel Sousa Tavares, 57 anos, já viajou pelo Saara treze vezes. "Deixei de ir à Argélia há oito anos, por causa do fundamentalismo islâmico. Ficou impraticável", diz. Seu mais recente livro, No Teu Deserto (Companhia das Letras; 128 páginas; 30 reais), é o relato romanceado de uma dessas viagens, realizada nos anos 80 ao lado de uma mulher que marcou a vida do protagonista, alter ego do autor. Com descrições vívidas da paisagem e do silêncio do deserto, dos percalços burocráticos em absurdos escritórios do governo argelino para conseguir uma autorização de filmagem no país e das agruras dos motoristas em remotas estradas de areia, o livro distancia-se dos títulos anteriores do autor, os romances históricos Equador e Rio das Flores. Mas, como esses, ganhou o topo das listas de mais vendidos em Portugal. Com uma narrativa mais convencional, se comparada à de António Lobo Antunes ou mesmo à de José Saramago, Sousa Tavares é visto com alguma reticência pela crítica (e o sentimento é mútuo) – mas já contabiliza 1 milhão de exemplares vendidos no país. Sousa Tavares está no Brasil nesta semana para lançar seu novo livro. No domingo 20, participa de um debate na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Filho da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen, jornalista bem conhecido por suas colunas na imprensa escrita e pelos comentários políticos na TVI, Sousa Tavares estreou tardiamente na ficção, com Equador, em 2003. Um certo preconceito por sua exposição na TV explica, em parte, as reservas críticas com que foi recebido. Eis um escritor que deseja se comunicar com o maior público leitor possível – vale dizer, um autor que quer vender muito, e o consegue. "Vejo a escrita como um serviço prestado aos outros. Nem a mim, nem à posteridade ou aos críticos. Por isso vendo os livros, não os dou", explica. Também é um crítico contumaz da política e da cultura portuguesas (leia algumas opiniões suas abaixo). "As pessoas têm dificuldade de me situar politicamente", diz. "Minha matriz é de esquerda. Sempre fui um social-democrata. Mas a estupidez endêmica da esquerda irrita. Os esquerdistas vão muito atrás do politicamente correto, que é conservador e vai contra a liberdade individual." Fumante – ou fumador, como dizem no seu país –, Sousa Tavares foi um inflamado militante contra as leis antitabagistas.
Divorciado, pai de três filhos, Sousa Tavares já teve um caso, no Brasil, com a atriz Maitê Proença. Hoje está namorando a escritora – também brasileira – Tatiana Salem Levy (não o nega, nem confirma: "Não falo nem do meu relacionamento com Deus"). Já antes de conhecer as mulheres do Brasil, Sousa Tavares nutria uma atração particular pelo Rio de Janeiro. "Lisboa é uma cidade um bocado melancólica", diz o escritor, em seu apartamento no alto do bairro da Lapa, de onde se descortina uma vista privilegiada da capital portuguesa. "No Rio, desde a primeira vez em que lá estive, fico feliz logo que se abre a porta do avião." O autor português anda considerando seriamente a possibilidade de se mudar para o Rio – o que motivou um comentário depreciativo de José Saramago: Miguel Sousa Tavares, disse o Nobel de Literatura, pode ir para o Rio ou para Marte, pois não fará falta a Portugal. Sousa Tavares deu-lhe uma réplica certeira: Saramago é que não faria falta, pois, abrigado pelas isenções de uma fundação cultural que leva o seu nome, não paga impostos. (De resto, Saramago mora em Lanzarote, uma ilha espanhola.)
Se vier mesmo a se estabelecer no Brasil, Sousa Tavares já terá encontrado alguns inimigos por aqui. Em uma crônica no jornal O Estado de S. Paulo, o escritor Ignácio de Loyola Brandão reclamou do escritor português, que se teria recusado a cumprimentá-lo em um evento literário em que dividiriam uma mesa de autógrafos. "O homem se acha, deve pensar que é Fernando Pessoa ou Eça de Queiroz", escreveu Loyola Brandão. Eça de Queiroz é um modelo para Sousa Tavares, um escritor de corte mais antiquado, que diz que gostaria de ter vivido no século XIX. No Teu Deserto, porém, é um livro contemporâneo, uma história de amor pontuada pelo assombro diante da natureza inabarcável do Saara. Não será Eça ou Pessoa, claro – mas já basta para autorizar o autor a não se mostrar sempre simpático.