O guru renegado
Campeão da autoajuda, Augusto Cury foi tido como uma espécie de Mangabeira Unger de Marina Silva. Mas a senadora diz que suas referências são outras
Sandra Brasil
Fotos Fabiano Accorsi e William Volcov/Parceiro/Ag. O Globo |
O CAMINHO E O CAMINHAR Os novos verdes Cury e Marina (no detalhe): confusão com uma frase de Thiago de Mello |
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Políticos em ascensão costumam se ver cercados por asseclas e aduladores. Os mais ousados da entourage tentam se qualificar como ideólogos de bastidor, ou como pensadores que influenciam o programa do eventual candidato. Alguns políticos, ciosos em manter alianças e votos, são complacentes com essas investidas. Não é o caso da senadora Marina Silva, que trocou o Partido dos Trabalhadores pelo Partido Verde há duas semanas. No dia seguinte à festa promovida para sua filiação à nova legenda, a provável candidata do PV à Presidência não gostou nada de ler na imprensa que o psiquiatra e escritor best-seller Augusto Cury ajudara na preparação do discurso que ela fez – de improviso – na ocasião. Chegou-se a atribuir a Cury uma citação do poeta amazonense Thiago de Mello utilizada por Marina – "Não é um novo caminho, mas uma nova maneira de caminhar" (o equívoco é até compreen-sível: trata-se do tipo de banalidade pomposa que se encontra às dúzias em livros como Nunca Desista de Seus Sonhos, um dos sucessos de Cury). De repente, Cury foi transformado em uma espécie de Roberto Mangabeira Unger da senadora verde – ele seria o guru de Marina. Mas ela diz que suas referências são outras: "No discurso, recorri a Santo Agostinho, Guimarães Rosa e Thiago de Mello, autor que venho citando nos últimos sete anos. No meu repertório, guru é algo que não existe".
Campeão da autoajuda (e até seus romances têm um viés, digamos, edificante, como se vê já nos títulos – O Vendedor de Sonhos, por exemplo), com cerca de 10 milhões de livros vendidos, Cury foi recebido com entusiasmo pela cúpula do partido, esperançosa de converter leitores em eleitores. "Ele diz que não quer ser candidato, mas nós ainda temos esperança de que isso aconteça", diz o presidente nacional do PV, o vereador José Luiz Penna, de São Paulo. Cury alega que sua carreira literária não abre oportunidades para campanhas: "Eles me ofereceram o Senado, mas, por ser atualmente publicado em mais de cinquenta países, eu não poderia me envolver tanto com a política". Ele deseja, no entanto, contribuir com o programa de governo de Marina – e talvez daí tenha surgido a lenda de que seria o mestre zen da senadora. "Ele virou guru da Marina, que é leitora e fã dele", reforça o publicitário Lula Vieira, diretor de marketing do grupo Ediouro, que publicou, pelo selo Thomas Nelson Brasil, O Código da Inteligência, um dos 24 livros do prolífico autor. Vieira, que trabalhou na área de criação da campanha de Fernando Gabeira, foi o articulador da entrada de Cury nas fileiras do PV.
A filiação do escritor e de Marina aconteceu na mesma solenidade. Foi o segundo de apenas dois encontros que a senadora teve com o autor de Você É Insubstituível. O primeiro ocorreu já há mais de dois anos. Na lembrança de Cury, a senadora viajou a São Paulo especialmente para ouvir uma de suas conferências. Marina conta uma história ligeiramente diferente: "Encontrei o Cury em um seminário no qual eu dei uma palestra e ele, outra". À parte esses encontros fortuitos, Marina telefonou – a pedido do vereador carioca Alfredo Sirkis, membro da executiva do PV – para Cury com o fim de parabenizá-lo, muito protocolarmente, pela filiação ao partido. Ela diz que admira a carreira de sucesso do escritor e já leu dois livros dele. Não quis citar os títulos.
Não, Augusto Cury não se considera o guru de Marina. Diz ele que, quando lhe atribuíram esse título na imprensa, ele telefonou para dar explicações à senadora. "Você é uma mulher brilhante, que não precisa de gurus, e sim de parceiros", teria afirmado. Mesmo assim, Cury identifica certos paralelos entre as ideias de seus livros e o discurso de filiação de Marina – um caso de sincronicidade, diria um junguiano de almanaque. "Às vezes, essas ideias que são minhas podem ter ocorrido ao mesmo tempo a outros pensadores que produzem conhecimento", diz. Nos encontros que antecederam sua filiação ao partido, Cury manifestou interesse em injetar no programa de governo essas suas ideias próprias que todo mundo tem. Quer atuar sobretudo nos projetos de educação: "Tenho sugestões importantes e defendo a realização de uma cirurgia nos currículos". Alguns exemplos "cirúrgicos": 10% do tempo de aula, em qualquer área, deveria ser dedicado à discussão de temas "divulgados pelos meios de comunicação" (categoria vaga e ampla, que daria aos alunos a oportunidade de travar instigantes debates sobre a morte de Michael Jackson ou o desaparecimento fajuto de Belchior). Outra sugestão revolucionária, já defendida em seu livro Pais Brilhantes, Professores Fascinantes: as cadeiras, nas salas de aula, devem ser dispostas em U em torno do professor. As fileiras convencionais seriam propícias ao autoritarismo dos mestres. Sem dúvida, Cury tem potencial para ser um guru da política brasileira. Só falta um discípulo.