Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 05, 2009

Energia O petróleo volta à cena na política brasileira

"O Brasil é a quinta potência"

Lula impulsiona sua candidata com o discurso
retrógrado-nacionalista de que só o PT protege
o petróleo e outras riquezas do país


Otávio Cabral

Fotos Ana Araujo e Reprodução

MEIO SÉCULO DE UFANISMO
Lula discursa no evento do pré-sal, que teve o mesmo tom nacionalista de "O petróleo é nosso"
de Getúlio Vargas, nos anos 50


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A perspectiva de que o petróleo pode ser o caminho para levar o Brasil ao patamar de uma grande potência econômica habita o imaginário coletivo desde o início do século XX. O escritor Monteiro Lobato foi um dos primeiros defensores da ideia. Nacionalista, ele montou uma empresa de pesquisa, perdeu tudo o que havia ganhado com a literatura e ainda acabou preso por ter criticado militares favoráveis à abertura da exploração de petróleo a estrangeiros. No governo do presidente Getúlio Vargas, na década de 50, os partidos de esquerda, entoando o mesmo discurso, levaram milhares de pessoas às ruas em defesa do monopólio da Petrobras. A crença na capacidade salvacionista do petróleo está tão arraigada em uma parcela da sociedade brasileira que mesmo nos períodos em que sopraram ventos mais liberais a privatização da Petrobras nem sequer chegou a ser discutida. Petróleo e política, em momentos distintos da história, também funcionaram como um eficiente combustível eleitoral – fórmula que será repetida pelo governo nas eleições presidenciais do ano que vem.

A estratégia oficial ficou evidente no lançamento, na semana passada, do marco regulatório para a exploração do petróleo na chamada camada do pré-sal – uma promissora reserva localizada no oceano, a 300 quilômetros da costa e a 7 quilômetros de profundidade. O novo modelo estabelece o monopólio de exploração da Petrobras, ao contrário do que prevê a legislação em vigor, que permite a participação de empresas privadas. O evento foi marcado pelo ufanismo, da decoração verde e amarela ao slogan "Pré-sal: patrimônio da União. Riqueza do povo. Futuro do Brasil". Há quem se tenha assustado com a decisão do governo de assegurar o controle estatal sobre uma riqueza da qual ainda nem se sabe a dimensão. O governo encaminhou ao Congresso os projetos que regulamentam o pré-sal estatal em regime de urgência. Empresários e políticos, até mesmo da base aliada, consideraram haver pouco tempo para decidir sobre um assunto tão complexo. A proposta criou atritos entre os governadores (veja o quadro abaixo), e líderes do governo chegaram a procurar Lula para pedir que ele retirasse a urgência, mas o presidente se recusou. Quer que o projeto seja aprovado até o início de 2010, para que a exploração comercial e, principalmente, política já comece no ano eleitoral. Seria isso parte de um plano federal em direção à estatização da economia?

O presidente Lula não tem uma concepção ideológica de estado. Se a bússola eleitoral aponta para o mercado, ele corre a escrever uma carta ao povo brasileiro, como fez em 2002, garantindo que os contratos serão respeitados – como de fato foram durante o seu governo. A crise econômica mundial, porém, abalou alguns paradigmas. O presidente foi convencido por alguns de seus mais influentes assessores, munidos de pesquisas, de que o discurso nacionalista ganhou um forte apelo popular e, por isso, pode ser o grande mote para alavancar a campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República. A cerimônia do pré-sal revelou como isso será posto em prática. O programa econômico da candidata, já desenhado pelos seus assessores, terá um forte viés estatizante. Já tem até um slogan: "Brasil, quinta potência mundial". Dilma buscará conquistar o eleitorado difundindo a tese de que o Brasil será uma das maiores potências econômicas do mundo na próxima década, graças sobretudo à abundância de recursos naturais – principalmente o petróleo. Para isso, no entanto, segundo a ministra, há a necessidade de uma presença mais forte do estado, não só como regulador da economia, mas como o principal investidor e indutor do crescimento.

Ag. Vale

AÇÃO E REAÇÃO
O governo pensou em retomar o controle administrativo da Vale, dona do porto ao lado, mas desistiu diante das consequências negativas


A plataforma de campanha de Dilma surge para reforçar a estratégia de Lula de transformar a disputa eleitoral em um plebiscito entre seu governo e o do antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso. As pesquisas qualitativas feitas pelo Palácio do Planalto mostram que Lula é identificado pela média do eleitorado como um presidente que cuida dos pobres, protege as riquezas nacionais e enfrenta as potências estrangeiras. Já FHC, para o mesmo público, tem a imagem de quem foi submisso aos interesses externos. "Lula quer o debate polarizado entre o desempenho do estado em seu governo e na gestão do PSDB", afirma o deputado Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência pelo PSB e interlocutor constante do presidente. É fato confirmado por especialistas em pesquisa que o eleitor médio tem simpatia pela ideia de um estado forte. "O brasileiro tem o nacionalismo como valor. Acredita no discurso de que a riqueza deve ser nossa", diz o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro. Por outro lado, o eleitor também entende que a privatização trouxe vantagens práticas à sua vida, como o acesso à telefonia e a melhoria das estradas. "Quando a privatização é apresentada em um pacote, tem um caráter negativo. Mas ganha a simpatia do eleitor quando é explicada didaticamente, caso a caso." Escreve o cientista político David Samuels, brasilianista da Universidade de Minnesota: "Esse aumento da presença do estado na economia é uma tendência mundial após a crise, principalmente na América Latina. Mas eu não acredito que Lula tenha adotado essa política para prevenir a economia brasileira do colapso, e sim por razões políticas internas". Samuels é um estudioso do pragmatismo político de Lula. Em 2005, fez um artigo no qual explicava a conversão do PT da esquerda ao centro do espectro político graças ao pragmatismo eleitoral. Agora, avalia estar acontecendo um fenômeno semelhante, mas no sentido oposto. Como a privatização é malvista pelo eleitorado, Lula fortaleceu a presença do estado por conveniência, não por ideologia.

Levada ao extremo, a conveniência política pode produzir ideias delirantes com consequências econômicas desastrosas. Desde que foi privatizada, em 1998, a produção de minério de ferro da Vale, a maior empresa privada brasileira e segunda maior mineradora do mundo, aumentou 437%, os dividendos para acionistas cresceram 1 964%, o lucro líquido subiu 2 266% e o pagamento de impostos aos cofres públicos deu um salto de 3 308%. Mesmo assim, uma das bandeiras recorrentes do PT, principalmente às vésperas de eleição, é pregar a retomada do controle estatal da empresa. O presidente ficou contrariado com a atuação da Vale no momento agudo da crise econômica mundial. A mineradora congelou investimentos e demitiu funcionários sem comunicar nada ao governo. Lula ameaçou tomar medidas para dar aos fundos de pensão, os principais acionistas, o controle administrativo da companhia. Foi advertido sobre as consequências que uma intervenção como essa provocaria à credibilidade do país no exterior. Alguém lembrou ainda que grandes grupos empresariais e financeiros poderiam se indispor com o governo às vésperas da eleição, fechando os cofres para a campanha de Dilma Rousseff. A bússola estatizante, ao menos por enquanto, voltou-se apenas para o pré-sal.

Manoel Marques

MONOPÓLIO ESTATAL
No governo Lula, a Petrobras adquiriu concorrentes e passou a atuar na distribuição de gás e na geração de energia elétrica. Mas seu maior avanço foi no setor de biocombustível. Uma subsidiária da empresa é também responsável exclusiva pela compra e venda de biodiesel e etanol (ao lado) no país


Disputa federativa

Manoel Marques

PALAVRA DO PRESIDENTE
Lula prometeu uma coisa aos governadores do Sudeste e fez outra

O espectro de prosperidade (o primeiro centavo só será produzido daqui a quinze anos) embutido no projeto eleitoral de exploração do pré-sal já provoca intrigas reais entre os estados da federação. Pelas regras atuais, estados e municípios produtores recebem compensações financeiras das empresas exploradoras, os royalties. Em 2008, por exemplo, foram arrecadados 10 bilhões de reais em royalties. Os municípios receberam 3,7 bilhões de reais. O maior beneficiado foi o Rio de Janeiro, com 2,48 bilhões. Já os estados ficaram com 3,29 bilhões de reais, sendo que 2,26 bilhões foram para os cofres fluminenses. É um gigantesco reforço de caixa, principalmente para Rio, São Paulo e Espírito Santo, onde se concentram as maiores reservas do combustível. O pré-sal, ao menos teoricamente, pode multiplicar por dez vezes o valor desses royalties – fortuna que, mesmo sem existir ainda, é capaz de encher os olhos de qualquer governante. Sabendo disso, Lula propôs mudar a lei e repartir as compensações entre todos os 27 estados.

Outra vez, política e petróleo se misturaram. Ao propor a divisão, o presidente usa de novo o pré-sal para faturar politicamente, mostrando que a ideia dele e da ministra Dilma Rousseff é garantir a distribuição das riquezas brasileiras entre todos os estados. A tática era perfeita: 24 governadores, obviamente, apoiariam a iniciativa. Já os três maiores beneficiados – Rio, São Paulo e Espírito Santo – ficariam quietos para não parecer que são contrários à extensão dos benefícios aos mais pobres. Mas não foi o que ocorreu. O primeiro a reagir foi, obviamente, Sérgio Cabral. Mesmo sem perda financeira imediata, ele teria um prejuízo político incalculável ao aceitar que o Rio fosse passado para trás. Cabral juntou-se aos governadores José Serra e Paulo Hartung, e eles foram a Brasília protestar. Até o apoio do PMDB, partido de Cabral e Hartung, à candidatura de Dilma foi colocado no tabuleiro.

Lula, em público, cedeu aos interesses do trio produtor e decidiu retirar do projeto do pré-sal qualquer menção a royalties. Reservadamente, porém, o presidente incentivou dois governadores aliados, Eduardo Campos (PE) e Jaques Wagner (BA), a comandar uma articulação para que o Congresso aprove a distribuição paritária. "Que país queremos construir? Um país no qual só resta aos jovens do Nordeste, aos 18 anos, largar a família e ir morar na periferia do Rio e de São Paulo?", indagou Eduardo Campos em uma reunião de governadores. Cabral retrucou: "Não concordo que os recursos de um estado sejam passados para outros". A briga federativa está criada e provavelmente será vencida pelos 24 estados não produtores, que têm ampla maioria no Congresso – exatamente como quer Lula em sua estratégia petroeleitoral.

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