Como Chávez mandou
Por ordem de Kirchner, horda de 200 auditores fiscais invadiu
o Clarín, o maior jornal da Argentina. Imitando o venezuelano,
o casal Kirchner tenta destruir a imprensa independente
Duda Teixeira
Clarín |
DESMANDO Os auditores enviados pelo governo no prédio do jornal: "Pergunte a Kirchner" |
Pobre Argentina. O país, que no início do século passado estava entre as dez maiores economias, já tinha perdido sua riqueza. Agora, perdeu também o orgulho próprio, e seus governantes se sujeitam a fazer o que Hugo Chávez manda. Se o coronel estatiza a economia da Venezuela, Cristina e Nestor Kirchner expropriam a Aerolíneas Argentinas, o correio nacional e o sistema de previdência privada. Se o venezuelano investe com violência contra a imprensa independente, o casal argentino não quer ficar atrás. Nunca, como na quinta-feira passada, Buenos Aires foi tão parecida com Caracas. Uma horda de 200 auditores fiscais invadiu a sede do Clarín, o maior jornal da Argentina. A semelhança com o ataque chavista à Globovisión, a única cadeia privada de televisão da Venezuela, fica evidente. O caso argentino, contudo, teve uma agravante: o uso do aparato do estado para intimidar um oponente político.
A transformação dos órgãos do estado em apêndices da vontade do presidente é uma característica do populismo. Em um estado democrático, as instituições devem agir sob o princípio da impessoalidade, para cumprir e preservar a lei. Na Venezuela e, agora também na Argentina, o aparelho do estado é usado e abusado como se fosse propriedade particular do governante. O objetivo da devassa fiscal foi intimidar o maior grupo de comunicação do país, que também possui canais de televisão e rádio. O jornal, que por um tempo apoiou os Kirchner, é hoje de oposição. O estopim da agressão foram revelações sobre o aumento do patrimônio declarado dos Kirchner em 158% em um ano. O governo já tinha cortado toda a propaganda oficial do grupo Clarín. A mando de Kirchner, a Associação Argentina de Futebol rasgou um contrato de direitos de transmissão dos jogos de futebol com o grupo. As partidas são agora transmitidas pelo Canal 7, estatal, e a gravação é feita por uma empresa ligada ao porta-voz da Presidência.
Cezaro de Luca/Corbis/Latin Stock |
IMITAÇÃO |
A truculência da semana passada foi audaciosa, mas caiu no ridículo pelo exagero. O chefe de gabinete da Casa Rosada precisou dizer que a presidente nada tinha a ver com a devassa. O chefe da Receita Federal argentina, um homem dos Kirchner, também lavou as mãos. Ninguém soube explicar como uma repartição pública mobiliza 200 servidores – para uma operação que normalmente seria feita por cinco ou seis – sem autorização superior. Quem perguntava aos auditores de onde partira a ordem recebia como resposta "pergunte a Kirchner". A imprensa argentina é mais uma em perigo na América Latina. Na Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua, os governos esquerdistas adotaram a estratégia, herdada dos regimes militares, de acuar a imprensa com confiscos, ameaças e leis liberticidas. Na Argentina, Cristina tenta aprovar às pressas, antes da posse do novo Legislativo, de oposição, uma lei para controlar os meios de comunicação. Pela proposta, um terço das concessões de televisão seria entregue aos sindicatos pelegos. Outro terço ficaria com o governo. Só o restante poderia ir para mãos independentes. O grupo Clarín perderia mais de 200 licenças de rádio e televisão. Se Cristina tiver sucesso, só se ouvirá uma voz no país – a dela. Pobre Argentina.