Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 01, 2009

VINICIUS TORRES FREIRE A fictícia "idade de ouro" financista

FOLHA DE S PAULO

Crescimento do PIB americano nos anos 2000 é o pior desde a década de 30; sucesso recente ocorreu na "heterodoxa" Ásia

O COLAPSO da ordem financeira mundial detonou duas ondas de propaganda. Publicistas vulgares da ordem reagiam aos críticos do desastre dizendo que "a globalização e o capitalismo haviam produzido os anos de maior prosperidade da história", tolice bem típica, aliás, dos bajuladores brasileiros do dinheiro grosso. Minoritário e sem poder, mas nem por isso menos tolo, o partido "crítico" apregoava que o "neoliberalismo" morrera.
Antes de mais nada, observe-se que os "anos de maior prosperidade da história" são uma ficção.
A contar de 1930, o crescimento médio dos EUA nos anos 2000 foi superior apenas ao dos anos da Grande Depressão (o per capita inclusive). O crescimento per capita europeu vem caindo a cada década desde os anos 60. O Japão teve seu grande período até 1970. Oriente Médio e América Latina viram dias melhores na década de 70 ou antes, embora o crescimento "desenvolvimentista" nos anos 50 e 60 seja bem exagerado: o PIB per capita não cresceu tanto. A qualidade dos dados africanos é suspeita, mas parece ter havido períodos melhores também por lá. Nem se mencione o problema da distribuição dessa riqueza.
Os grandes casos de sucesso econômico recente são os da China, de parte do sul da Ásia e dos Tigres (Coreia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong, que porém não crescem tão pouco desde a década de 50). Excetuando a China, os grandes anos do PIB mundial ainda são os 50 e os 60.
Mas mesmo essa série de PIBs diz pouco. Primeiro, por ser uma maçaroca de dados que dificilmente pode ser agregada sem mais nem menos. Segundo, boa parte do crescimento rápido do pós-Guerra ocorreu sobre terra arrasada. Terceiro, após períodos de enriquecimento rápido e de construção da economia nacional, os países tendem a crescer mais devagar. O que se quer dizer, enfim e apenas, é que associar o período de farra financeira a uma "idade de ouro" é propaganda vulgarésima.
Aquilo ao que se dá o nome hoje genericamente inútil de "capitalismo" são sociedades com economias de mercado tão diferentes como as de EUA, França, Suécia, Japão, Coreia, Rússia, China ou Brasil. "Neoliberalismo", por sua vez, é um fantasma ou vodu que dá forma ao ressentimento e à miséria intelectual da maior parte do que sobrou da esquerda. Mas as duas vulgaridades são próximas, pois propagandeiam generalidades fantasmagóricas.
Com boa vontade dir-se-ia que esses dois "partidos" na verdade se referem a um sistema mundial, ou algo assim, ancorado no poder e no modelo americanos. Mas a China, por exemplo, emergiu da demência maoísta apenas devido a esse "sistema mundial"(ou à adoção do "modelo")? Virando a pergunta ao avesso: a China poderia ter adotado a sua "via própria" sem em alguma medida se integrar ao mundo e sem adotar alguns princípios do "modelo"?
A ideia da "idade de ouro" é apenas ideologia barata: o mercadismo. Tem por objetivo atropelar ameaças de pensamento dissidente. Quer abafar a ideia de que as várias economias de sucesso trilharam caminhos muito diferentes; não fizeram a "lição de casa", esse clichê imbecil, ou seguiram a "experiência internacional", em geral médias estatísticas sem qualquer sentido prático.
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