JORNAL DO BRASIL
Em reunião de família, com poucos convidados, o acaso colocou-me numa roda de conversa de jovens, vários iniciando o duro ofício de ensinar em colégios particulares para os ginasianos que se preparam para o vestibular nas faculdades.
Uma moça elegante derivou a conversa para o tema que incendiou o debate. Professora de várias matérias, como química, botânica, ciência, biologia e física, em meia dúzia de colégios particulares, recebe por aula a fortuna que varia entre 10 e 12 reais. Em alguns anos de batente, só uma vez conseguiu a proeza de abocanhar o máximo que bate no prêmio lotérico de R$ 300. Sim, senhores: R$ 300 no mês sortudo, sem feriados nem dias santos.
O máximo que a professora conseguiu alcançar perde de longe para o salário mínimo do Rio de Janeiro, reajustado para R$ 512,67, e mesmo para o mais modesto mínimo federal, fixado em R$ 465. A conversa não parou ai. Estávamos ainda distante do fundo do fosso. A professora ressalvou que não tinha a quem se queixar e ainda podia dar-se por feliz em ocupar o piso mais alto na categoria dos esquecidos pela demagogia perversa. R$ 12 por aula era quase uma generosidade de donas de escolas. Pois, mesmo no espaço urbano de Jacarepaguá, não um mas vários colégios remuneram a aula em qualquer nível com R$ 8, Exatamente, oito reais. Para juntar R$ 80, sem gastar um centavo, são 10 horas de aula.
No embalo, o jovem atleta de ombros largos e braços musculosos aproveitou a pausa para entrar na cadência das confissões. Professor de educação física, diplomado por faculdade particular das mais conceituadas e de mais altas mensalidades, dá aulas de remo e natação em clubes famosos da Zona Sul e ganha por hora/aula os mesmos R$ 8 da tabela de fome dos cursos e colégios da Zona Oeste. No seu caso, o expediente entra pela noite, passa das 23h.
Como mora longe e ainda não conseguiu comprar o carro das suas prioridades, bate o ponto em casa depois da meia-noite, tira uma soneca e refaz o percurso – pois nadadores e remadores também acordam com as galinhas.
Não tenho informações do outro lado do muro. Mas posso especular sobre a choradeira de proprietários e diretores de faculdades e colégios fora da área nobre e endinheirada da Zona Sul e das mansões e arranha-céus de São Conrado e da Barra da Tijuca. Francamente, estamos diante de uma situação insustentável e que nada justifica. O problema é nacional, ainda que as soluções possam ser municipais. Se no Rio, ex-capital do país e antiga Cidade Maravilhosa, professores com diplomas universitários sobrevivem com proventos mensais muito abaixo do salário mínimo, não é necessário buscar outras causas e explicações para o descalabro do ensino, em diferentes níveis, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Mais do que a denúncia da confessada ignorância e do pasmo diante da evidência de mais uma geração perdida, tento provocar o debate. Como assistente, espero acompanhar as desculpas federais, estaduais e municipais para o criminoso alheamento diante do escândalo que certamente tem solução.
E a ocasião é oportuna. O governo entrou no clima de campanha eleitoral e resolveu abrir o cofre. Os milhares de prefeitos convocados para compor o auditório para ouvir e aplaudir os exaltados improvisos do presidente Lula e conhecer a sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, à sucessão de 2010, cumpriram o seu papel. E choraram as mágoas no circuito de conversas com os ministros disponíveis. Certamente perderam a oportunidade de ouro de colocar no mutirão de boa vontade do governo atrás dos votos, o quadro vergonhoso, obsceno do salário dos professores das escolas públicas e particulares em todo o Brasil. Se o governo deve dar o exemplo, é também ele quem pode abrir o debate e bancar a solução.
Na minha memória de veterano cato o exemplo da Universidade do Professor, criada por Jayme Lerner quando governador do Paraná. Aproveitando as ruínas de uma antiga construção, montou uma vila, com casas, auditórios, refeitório, sala de música, biblioteca, onde durante anos as professoras primárias do estado passavam uma semana por ano num mergulho cultural com palestras, debates, concertos de música.
A Universidade fechou. Dispenso as explicações. Fico com a lembrança das professoras com olhos arregalados de emoção e que entre lágrimas confessavam nunca ter ouvido um concerto de música ao vivo.
Em reunião de família, com poucos convidados, o acaso colocou-me numa roda de conversa de jovens, vários iniciando o duro ofício de ensinar em colégios particulares para os ginasianos que se preparam para o vestibular nas faculdades.
Uma moça elegante derivou a conversa para o tema que incendiou o debate. Professora de várias matérias, como química, botânica, ciência, biologia e física, em meia dúzia de colégios particulares, recebe por aula a fortuna que varia entre 10 e 12 reais. Em alguns anos de batente, só uma vez conseguiu a proeza de abocanhar o máximo que bate no prêmio lotérico de R$ 300. Sim, senhores: R$ 300 no mês sortudo, sem feriados nem dias santos.
O máximo que a professora conseguiu alcançar perde de longe para o salário mínimo do Rio de Janeiro, reajustado para R$ 512,67, e mesmo para o mais modesto mínimo federal, fixado em R$ 465. A conversa não parou ai. Estávamos ainda distante do fundo do fosso. A professora ressalvou que não tinha a quem se queixar e ainda podia dar-se por feliz em ocupar o piso mais alto na categoria dos esquecidos pela demagogia perversa. R$ 12 por aula era quase uma generosidade de donas de escolas. Pois, mesmo no espaço urbano de Jacarepaguá, não um mas vários colégios remuneram a aula em qualquer nível com R$ 8, Exatamente, oito reais. Para juntar R$ 80, sem gastar um centavo, são 10 horas de aula.
No embalo, o jovem atleta de ombros largos e braços musculosos aproveitou a pausa para entrar na cadência das confissões. Professor de educação física, diplomado por faculdade particular das mais conceituadas e de mais altas mensalidades, dá aulas de remo e natação em clubes famosos da Zona Sul e ganha por hora/aula os mesmos R$ 8 da tabela de fome dos cursos e colégios da Zona Oeste. No seu caso, o expediente entra pela noite, passa das 23h.
Como mora longe e ainda não conseguiu comprar o carro das suas prioridades, bate o ponto em casa depois da meia-noite, tira uma soneca e refaz o percurso – pois nadadores e remadores também acordam com as galinhas.
Não tenho informações do outro lado do muro. Mas posso especular sobre a choradeira de proprietários e diretores de faculdades e colégios fora da área nobre e endinheirada da Zona Sul e das mansões e arranha-céus de São Conrado e da Barra da Tijuca. Francamente, estamos diante de uma situação insustentável e que nada justifica. O problema é nacional, ainda que as soluções possam ser municipais. Se no Rio, ex-capital do país e antiga Cidade Maravilhosa, professores com diplomas universitários sobrevivem com proventos mensais muito abaixo do salário mínimo, não é necessário buscar outras causas e explicações para o descalabro do ensino, em diferentes níveis, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Mais do que a denúncia da confessada ignorância e do pasmo diante da evidência de mais uma geração perdida, tento provocar o debate. Como assistente, espero acompanhar as desculpas federais, estaduais e municipais para o criminoso alheamento diante do escândalo que certamente tem solução.
E a ocasião é oportuna. O governo entrou no clima de campanha eleitoral e resolveu abrir o cofre. Os milhares de prefeitos convocados para compor o auditório para ouvir e aplaudir os exaltados improvisos do presidente Lula e conhecer a sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, à sucessão de 2010, cumpriram o seu papel. E choraram as mágoas no circuito de conversas com os ministros disponíveis. Certamente perderam a oportunidade de ouro de colocar no mutirão de boa vontade do governo atrás dos votos, o quadro vergonhoso, obsceno do salário dos professores das escolas públicas e particulares em todo o Brasil. Se o governo deve dar o exemplo, é também ele quem pode abrir o debate e bancar a solução.
Na minha memória de veterano cato o exemplo da Universidade do Professor, criada por Jayme Lerner quando governador do Paraná. Aproveitando as ruínas de uma antiga construção, montou uma vila, com casas, auditórios, refeitório, sala de música, biblioteca, onde durante anos as professoras primárias do estado passavam uma semana por ano num mergulho cultural com palestras, debates, concertos de música.
A Universidade fechou. Dispenso as explicações. Fico com a lembrança das professoras com olhos arregalados de emoção e que entre lágrimas confessavam nunca ter ouvido um concerto de música ao vivo.