Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 28, 2009

Música Yan Pascal Tortelier: leveza à frente da Osesp

Uma batuta

O regente francês Yan Pascal Tortelier assume
a Osesp nesta semana com a missão de conferir
sutileza à sonoridade da principal orquestra brasileira


Sérgio Martins

Fotos Divulgação e Burn Sisi/ TopFoto
MELHOR SOM, MENOS FÚRIA
A Osesp (à esq.) e Tortelier: a orquestra é conhecida por seu vigor – que o novo regente deve modular

No mês passado, a demissão do maestro John Neschling levantou dúvidas sobre o futuro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Apesar de suas trombadas com o conselho da Fundação Osesp e com os músicos, não há como negar que Neschling, em seus doze anos à frente da orquestra, consolidou-a como o mais respeitável grupo sinfônico brasileiro. Os partidários do maestro sugeriam que, com a saída de Neschling, a qualidade da orquestra poderia se perder. Tudo indica que não será assim. A orquestra não se resume ao seu diretor artístico: é formada por bons músicos, que deram prova de talento sob o comando de outros regentes. E o francês Yan Pascal Tortelier, substituto de Neschling, deve trazer a ela um atributo fundamental: leveza. A Osesp é conhecida por tocar forte, com vigor às vezes excessivo. Esse recurso até funciona na execução de compositores como Beethoven e Mahler, mas é péssimo para peças de Debussy ou Ravel, que requerem mais suavidade. Tortelier tem a sensibilidade exigida pelo repertório francês, uma de suas especialidades. Nas duas semanas em que esteve à frente da Osesp como regente convidado, em 2008, fez com que a orquestra flutuasse. "Com John Neschling, soávamos pesados. Tortelier nos deixou graciosos", diz um integrante da orquestra.

O contrato de Neschling vigoraria até o fim de 2010, mas o maestro brasileiro caiu em desgraça após várias declarações públicas infelizes, nas quais desancou músicos, desafetos – e até aliados. No início de janeiro, dez dias antes da demissão oficial de Neschling, Tortelier foi convidado por membros do conselho da Osesp a ser o novo regente titular – pelo menos pelas próximas duas temporadas. Aceitou a oferta prontamente. "Fui seduzido pela qualidade dos músicos e pela oportunidade de dirigir uma orquestra latino-americana pela primeira vez em minha vida", disse, em entrevista a VEJA. Na reformulação geral que se seguiu, o chileno Victor Hugo Toro, que atuava como regente assistente, também foi demitido, e Tortelier mudou o repertório da temporada 2009, que começa nesta quinta-feira. O maestro francês vai reger oito concertos neste ano – o restante da programação será preenchido por convidados (veja quadro).

Burn Sisi/ TopFoto

Maestro: Yan Pascal Tortelier, francês, 61 anos

Currículo: foi diretor artístico da Filarmônica da BBC, de Manchester, e da Sinfônica de Pittsburgh, nos Estados Unidos

Especialidade: o repertório francês, especialmente Henri Dutilleux e César Franck

O que pode acrescentar à Osesp: além de um repertório mais variado, pode conferir mais sutileza à orquestra

Os músicos da Osesp ficaram contentes com a mudança. Neschling seguia a tradição do maestro-ditador, que distribui carraspanas nos ensaios. Essa figura do maestro divino, que teve o seu exemplo mais acabado no austríaco Herbert von Karajan, já não encontra tanto espaço no cenário musical, dominado por regentes mais "democráticos", como o inglês Simon Rattle e o holandês Bernard Haitink. Tortelier tem um estilo afável. Isso não quer dizer que não seja um regente enérgico. "O maestro tem de passar confiança para a orquestra. É claro que muitas vezes tive de brigar com músicos para mostrar minha vontade. Porém, jamais elevo o tom de voz", diz.

A Osesp é a orquestra mais rica do país. Tem um orçamento anual próximo a 68 milhões de reais (43 milhões do governo do estado e 25 milhões provenientes de assinaturas, vendas de bilhetes e patrocinadores). Yan Pascal Tortelier não é um regente do primeiríssimo escalão, mas é certamente um nome respeitado. É filho de Paul Tortelier, violoncelista que ficou conhecido pelo virtuosismo e pelas convicções políticas: nos anos 60, recusou-se a tocar nos Estados Unidos, em protesto contra a Guerra do Vietnã. Yan Pascal começou seus estudos musicais aos 4 anos e uma década depois se tornou um violinista de renome. "Gravei discos, mas me sentia frustrado. Nunca me satisfiz apenas com o violino", diz. Suas primeiras experiências na regência se deram na Orquestra de Toulouse, como assistente do maestro Michel Plasson. Em 1992, assumiu a direção artística da Filarmônica da BBC, de Manchester, cargo que manteve até 2003. Divorciado, pai de dois filhos, Tortelier também foi diretor artístico da Sinfônica de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e regeu grandes orquestras, como a Sinfônica de Londres e a Royal Concertgebouw, de Amsterdã. "É um maestro competente, culto e de um carisma impressionante", diz o crítico musical Norman Lebrecht. Mais importante, Tortelier reúne qualidades para fazer a Osesp avançar – com leveza.

O preferido dos músicos

Duas semanas atrás, o paulistano Fabio Mechetti deu início à sua segunda temporada como diretor artístico da Filarmônica de Minas Gerais, com peças de Dvorak, Katchaturian e Rimsky Korsakov. O concerto da filarmônica desperta atenção por dois motivos. Primeiro, porque desde a sua criação, em 2007, a orquestra tem mostrado uma considerável evolução – e boa parte dos méritos se deve ao diretor artístico, que contratou bons músicos (e demitiu os que não conseguiram provar competência). Segundo, Mechetti é provavelmente o único brasileiro com chance de assumir o comando da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) depois de 2010, quando se encerrará o contrato de Yan Pascal Tortelier (nada impede que o maestro francês renove o contrato). "Minha prioridade é construir uma grande orquestra em Minas Gerais", desconversa Mechetti. Seu contrato com a filarmônica vai até 2011.

Fabio Mechetti possui um respeitável currículo internacional. Na década de 80, estudou na prestigiada Escola Juilliard, em Nova York. Esses primeiros anos nos Estados Unidos renderam uma gafe: durante uma aula de regência no Festival de Tanglewood, em Massachusetts, Mechetti chamou o fagotista da orquestra de "fagot". O maestro Leonard Bernstein, seu professor, puxou Mechetti de lado para explicar que fagote em inglês era "bassoon" – e que "fagot" era um feio palavrão. Anos depois, já familiarizado com o inglês, Fabio Mechetti comandou a Sinfônica de Spokane, em Washington, e foi assistente do celista e maestro Mstislav Rostropovich na Orquestra Sinfônica Nacional de Washington. Atualmente, além de comandar a Filarmônica de Minas Gerais, Mechetti é diretor artístico da Orquestra de Jacksonville, na Flórida. Regente versátil, que vai do clássico ao contemporâneo, é também um especialista em ópera. Apresentou recentemente uma récita de Turandot, de Puccini, com a Orquestra de Jacksonville. Neste ano, será – como Isaac Karabtchevsky e a portuguesa Joana Carneiro – um dos regentes convidados da Osesp. Seu cartaz com os integrantes da orquestra está alto: foram os músicos que sugeriram seu nome como possível regente titular.

Leo Drumond/Nitro

Maestro: Fabio Mechetti, brasileiro, 51 anos

Currículo: foi assistente do Mstislav Rostropovich na Sinfônica Nacional de Washington. Dirige a Sinfônica de Jacksonville, na Flórida, e a Filarmônica de Minas Gerais

Especialidades: os cânones da música erudita (Bach, Beethoven, Brahms) e o repertório clássico americano (Bernstein, Copland, Gershwin)

O que pode acrescentar à Osesp: a versatilidade comum aos grupos sinfônicos americanos

Arquivo do blog