Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 15, 2009

A bananosa tucana Gaudêncio Torquato

O tucano foi escolhido como símbolo do PSDB em abril de 1988 por expressar três ideias: lembrar a cor da campanha das Diretas Já (o peito amarelo), que contou com a firme participação dos fundadores do partido; banhar a sigla nas águas do meio ambiente, aproveitando a onda crescente do movimento ecológico; e usar a imagem da ave brasileira para dizer que a social-democracia não era uma fórmula acabada, pronta para ser aplicada entre nós, mas um projeto a absorver, gradativamente, traços do ethos nacional. O primado propugnava: "A social-democracia brasileira é desenvolvimentista, participativa e pluralista." No alto do mastro, tremulava a bandeira da preservação da economia de mercado, submetida ao controle social "através de um Estado democrático". Passadas duas décadas, essa família de aves piciformes vive uma bananosa. O escopo se perdeu na floresta devastada pela escassez de ideias. A identidade do PSDB se esfarela a cada pleito, a ponto de hoje ser imperceptível o matiz doutrinário que lhe conferiu prestígio, por ocasião de sua origem, quando nasceu de uma costela do PMDB.

As famílias tucanas, conforme o dicionário - de peito-amarelo, peito-branco, bico-preto, gritador -, na política se ferem o tempo todo. Alguns tucanos do Nordeste e outros de Minas fecham os olhos à exuberância dos longos bicos paulistas. E entre estes há grupos em conflito. Agora mesmo, um bando se rebelou contra a eleição do líder do PSDB na Câmara, José Aníbal, escolhido pelo voto de seus pares. Causa perplexidade constatar que no leito da social-democracia brasileira o direito da maioria possa ser desprezado por alguns. O ex-presidente Fernando Henrique tenta ordenar um plano de voo harmônico, esforçando-se para evitar querelas que só fazem bem ao adversário. Tenta dizer, com razão, que o importante agora é estabelecer um discurso de oposição, e não expandir atritos internos que estiolam a força partidária. Na verdade, faz um bom tempo que o PSDB anda em círculos ou, como cachorro abilolado, tenta morder o próprio rabo.

Os erros se acumulam nas áreas de conteúdo e forma. Para começar, a identidade social-democrata e seus compromissos programáticos se perderam na névoa do tempo, misturados ao caldeirão da geleia partidária. Eventuais apontamentos que o PSDB faz sobre a realidade brasileira não passam de críticas ligeiras às ações do governo Lula, como os comentários sobre o viés eleitoreiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do assistencialismo do Bolsa-Família. Não se distingue uma abordagem vigorosa e estruturada. É o caso de perguntar: quais são os programas estratégicos para o desenvolvimento, capazes de compatibilizar carências de infraestrutura técnica e social - transportes, energia, telecomunicações, saúde, educação, habitação - com demandas regionais? Como aprimorar as ações, conferindo a elas um caráter estruturante? Em outros termos, como inserir o perfil em evidência no momento - Lord Keynes - na ordem do dia do País, compatibilizando a eficácia dos meios de produção, a consecução da meta do pleno emprego, com adequadas políticas sociais? Será que o tucanato está preparado para o enfrentamento ideológico que esquentará o palanque de 2010, onde o "desenvolvimentismo" de José Serra, por exemplo, poderá ser encostado no canto do ringue e atrelado à "maré privativista" que o PT e arredores apreciam denunciar? Recorde-se o segundo turno de 2006, quando Lula deu um baile em Geraldo Alckmin, batizando-o com a pecha de privatizador-mor, ameaça ao patrimônio nacional (Petrobrás e Banco do Brasil).

Se o PSDB tem discurso articulado, ninguém sabe, ninguém viu. O que possui é uma galeria de perfis renomados, que parecem subaproveitados. Os acordes desafinados que se ouvem da orquestra tucana estão aquém da sonoridade de uma sigla que ostenta o título de maior grupamento oposicionista do País. O tucanato soçobra na teia das dissensões. Se falta discurso, sobram visões fragmentadas a respeito do modus operandi partidário. Veja-se a questão das prévias. Poderiam ser o oxigênio da democracia participativa interna. Tornaram-se arma letal de destruição de alas. O tucano que governa Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do País, Aécio Neves, defende prévias por crer na possibilidade - e no uso da maleabilidade mineira - de amolecer corações e dobrar vontades. O mineiro acha que pode dançar, faceiro, de Minas para cima, passando pela Região Nordeste, onde se concentram quase 30% do eleitorado brasileiro. Já o tucano e paulista José Serra espera que seu alto índice nas pesquisas - hoje em torno de 45% - lhe garanta o passaporte da candidatura.

Enquanto os tucanos se debatem sobre o processo de escolha do seu candidato à Presidência em 2010, a ordem unida do PT bate continência à ministra Dilma Rousseff, sob o olhar vigilante do comandante Lula. A campanha petista já começou. Seu nome está praticamente definido. Há uma agenda de visitação em curso - fiscalização das obras do PAC -, um cronograma de inaugurações, um avolumado pacote de bondades aos prefeitos, ensaios plurais de apoios (inclusive com parcela forte do PMDB) e um discurso que funciona como uníssono canto de sereia: estamos vencendo a crise. Será que o tucanato consegue enxergar o desfile eleitoreiro do PT? A resposta é sim. Ocorre que essas aves de coloração preta, vermelha, laranja, amarela e verde, com sua plumagem dorsal negra, carregam uma síndrome: a da exuberância ostensiva, pouco comum às outras famílias. Raros e exóticos, consideram-se superiores às demais aves. Cada qual quer aparecer mais alto nas copas das árvores. Fernando Henrique, o mais proeminente dos tucanos, acaba de alertar: Luiz Inácio, presidente da República e cabo eleitoral de Dilma, botou a campanha na rua. Parece até que os tucanos, além do bico grande e oco, também são surdos.

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