DÁ O TROCO
A execução de um colaborador da CPI que investigou
os grupos de extermínio do Nordeste leva medo à Câmara.
Dois deputados já pediram proteção à Polícia Federal
Diego Escosteguy, de Itambé (PE)
Fotos Geyson Magno |
MORTE ANUNCIADA O advogado Manoel Mattos, que denunciava os pistoleiros da região, sofria ameaças havia pelo menos cinco anos e pedia proteção da PF |
Em novembro de 2005, a Câmara dos Deputados aprovou o relatório final da CPI que investigou a ação de grupos de extermínio no Nordeste. O documento detalha o modo como os matadores aterrorizam a população que vive nas cidades de Itambé e Pedras de Fogo, na divisa entre Pernambuco e Paraíba, epicentro da pistolagem no país. A comissão descobrira a identidade de pistoleiros, mandantes e policiais dos dois estados, que tanto participam dos grupos quanto protegem esses bandidos. Assim que se encerraram os trabalhos da CPI, duas testemunhas que colaboraram secretamente com os deputados foram executadas. Nada foi feito, os anos se passaram e, há três semanas, outro colaborador da CPI foi assassinado: o advogado Manoel Mattos, assessor do deputado Fernando Ferro (PT-PE) e ex-vereador de Itambé. A execução do advogado acendeu o sinal amarelo na Câmara. Os deputados Fernando Ferro e Luiz Couto, do PT da Paraíba, que trabalharam na CPI, estão com medo – e resolveram pedir ao ministro da Justiça, Tarso Genro, proteção da PF. "Não paro de receber ameaças", diz Luiz Couto. Até agora, dez dias após o pedido, eles não foram atendidos.
Fotos Edson Santos e Gustavo Granata/BG Press |
OS PRÓXIMOS? Os deputados do PT Fernando Ferro (à esq.) e Luiz Couto (à dir.) investigaram os matadores que agem em Itambé e Pedras de Fogo |
Somente quem não conhece a região deixa de levar a sério ameaças como essa, por uma razão elementar: os matadores cumprem o que prometem. Perdidas nos confins da Zona da Mata, Itambé e Pedras de Fogo são duas pequenas cidades em uma só, separadas somente pela linha imaginária entre os dois estados. Do lado de Pernambuco, a cidade chama-se Itambé. Do lado da Paraíba, Pedras de Fogo. É um lugar castigado pelo sol, dominado pelo medo e assombrado pela presença da morte. Um lugar onde pelo menos 86 pessoas foram executadas nos últimos anos. Um lugar no qual – acredite – se compra uma vida até por 50 reais. "As coisas inimagináveis que ainda acontecem nessa região são uma demonstração do atraso civilizatório do país", afirma Jayme Asfora, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco. "Esses matadores agem em conluio com policiais dos dois estados e com políticos da região. Se a PF não investigá-los, eles vão ficar impunes."
O assassinato do advogado ilustra perfeitamente essa impunidade. Casado, pai de três filhos, Mattos era um político em ascensão, que seria candidato a deputado estadual nas próximas eleições. Construiu a carreira denunciando os matadores e os políticos corruptos da região. Em troca, recebia ameaças de morte em público. A última aconteceu no fim do ano passado, numa churrascaria. Flávio Pereira, sargento da PM, acusado em três inquéritos de ser comandante de um dos grupos que disseminam o terror na cidade, gritou para Mattos, na frente de testemunhas: "Um dia ainda vou te matar! Eu prometo". O advogado foi executado três semanas depois, no dia 24 do mês passado. Ele descansava com os amigos numa casa de praia em Pitimbu, na Paraíba. Às dez e meia da noite, dois homens encapuzados assomaram à varanda, onde Mattos bebia com os amigos, e mandaram todos deitar no chão. O advogado soergueu-se da cadeira e, antes de dizer palavra, recebeu um tiro certeiro no coração, disparado de uma espingarda calibre 12. Mattos caiu sem vida no chão. O matador, conhecido como Zé Parafina, ainda faria mais um disparo, dessa vez na cabeça do advogado. Zé Parafina e o sargento Flávio estão presos, mas, segundo testemunhas ouvidas por VEJA na região, seu grupo ainda está à solta. Quem está escondida é a família do advogado, com medo de ter o mesmo destino dele: o apinhado cemitério de Itambé, o metro quadrado mais disputado do local. "Não tem mais onde enterrar ninguém aqui", avisa seu Paulo, como é conhecido o coveiro da cidade. A morte ali é coisa de rotina.