Fotos Divulgação e Claudia Daut/Reuters |
IMPROVISO NA ESCOLA Segundo Schiefelbein (à esq.), não há em países da América Latina o costume de planejar as aulas: "Sobra preguiça" |
São raras as pesquisas que medem a eficácia de políticas públicas na educação. Na América Latina, elas são quase inexistentes. O chileno Ernesto Schiefelbein, 74 anos, é uma das poucas autoridades nessa questão. Há mais de duas décadas ele se dedica a aferir os efeitos de medidas adotadas em escolas de países da América Latina. Só no Brasil, esteve 25 vezes. Doutor em educação pela Universidade Harvard e ministro da Educação do Chile em 1994, ele diz: "Para melhorar, o Brasil e os outros países precisarão se aproximar mais da ciência – e se afastar dos achismos". A seguir, os melhores trechos da entrevista que concedeu à editora Monica Weinberg.
OBRA INTUIÇÃO, FALTA CIÊNCIA
Ao entrevistar educadores e políticos em países da América Latina ao longo de décadas, sempre me chamou atenção o fato de tomarem decisões sem nenhum respaldo científico. Pergunto: quais são as evidências de que sua ideia vai funcionar? E o que escuto: achismos e vaguidões. O resultado disso é perverso. Em países sem tanto dinheiro para a educação, termina-se gastando muito com medidas de pouco ou nenhum impacto na sala de aula. Meus estudos não deixam dúvida sobre quais são essas políticas que levam ao desperdício. Elas passam, em geral, ao largo do ensino propriamente dito. Uma é investir no embelezamento do prédio da escola, algo que os políticos adoram. Outra prática de efeito próximo a zero é encher as salas com computadores. Muitos professores não sabem sequer ligar as máquinas – menos ainda fazer uso inteligente delas. Apesar de certo avanço, a educação em países da América Latina continua nas mãos de quem pouco entende do assunto.
É PRECISO INVERTER A LÓGICA NAS ESCOLAS
Os dados comprovam o que eu já sabia por observação: as medidas mais eficazes são, quase sempre, as menos dispendiosas. Escolas públicas de países como Brasil, Chile e Argentina subiriam muito de nível apenas invertendo uma lógica antiga. Hoje, cerca de 70% dos professores que dão aulas nas primeiras séries do ensino fundamental estão entre os menos habilidosos e preparados para a função. No entanto, as pesquisas mostram que é justamente no princípio que se estabelecem as bases para o aprendizado ao longo de toda a escola. Com professores menos experientes ensinando crianças tão jovens, os riscos de que se tornem maus alunos na faculdade crescem exponencialmente. Nos níveis mais elevados de ensino, por sua vez, o impacto de um profissional desses é menor, uma vez que os alunos já desenvolveram suas principais capacidades cognitivas e são mais autossuficientes. O que digo está quantificado – mas, ainda assim, tais números parecem ter efeito nulo.
MÉTODO DE ENSINO: DECOREBA
A memorização é o método aplicado, em média, por 80% dos professores nas escolas públicas e particulares de países da América Latina, segundo as pesquisas. O princípio, tão antigo quanto a própria educação nesses países, é que os alunos repitam o que o professor diz. Isso por si só já seria temerário num mundo em que se demanda das pessoas alta capacidade de análise e síntese. Piora a situação saber que muitos dos professores desconhecem parte da matéria que ensinam aos alunos. Sabe-se que um estudante pode aprender pela própria experiência, pela razão ou pela fé. Infelizmente, é a fé que predomina na maioria das escolas brasileiras, chilenas, colombianas...
Isso significa que os alunos absorvem as informações por acreditar nelas – e não porque foram convencidos pela razão. Que chances eles terão de competir com um francês, a quem desde cedo é estimulada a leitura dos clássicos, ou com um alemão, a quem é dada a oportunidade de aprender em laboratórios e museus? Muito poucas.
O OBJETIVO É SER CRIATIVO
Pergunte a professores da Argentina ou do Peru o que eles mais prezam numa sala de aula, e ouvirá da maioria: "A criatividade". Isso poderia até indicar algo positivo. A criatividade, afinal, está na base da investigação científica. Mas não é esse o caso. Em países da América Latina, como o Brasil, ser criativo é o mesmo que improvisar diante dos alunos. Um processo que nada tem a ver com ciência, mas, sim, com um grande despreparo e alguma preguiça.
CURRÍCULOS PELA METADE
Em visitas a escolas rurais e de periferia, inclusive no Brasil, vi um cenário desolador. Num ano letivo de 170 dias, elas ficavam cerca de 100 fechadas. As razões eram as mais variadas: a organização de festas durante o turno escolar, professores faltosos, greves. Nessas escolas, não se chega ao fim do ano letivo tendo cumprido sequer a metade do currículo – isso quando existe um. Os problemas começam, portanto, bem antes da sala de aula. Em muitos casos, o mais difícil é ter uma aula.
O EFEITO DO SALÁRIO
Os sindicatos de professores nos países da América Latina estão, acima de tudo, preocupados em conquistar melhores salários. Eles passam ao largo dos verdadeiros problemas da educação – e dos números. Ignoram, por exemplo, algo que já foi suficientemente demonstrado. Que conceder aumento de salário a todos, sem considerar o que cada um produz, não funciona no longo prazo. A experiência mostra que os maus profissionais continuam a dar as mesmas aulas ruins de sempre. E que os bons, embora não se queixem do aumento, se sentem desestimulados ao saber que ganham tanto quanto um colega menos talentoso e esforçado. Portanto, aumentar salário sem considerar o mérito acaba sendo um mau investimento – mas é essa a praxe nessas escolas.
SIM, HÁ AVANÇOS
Na última década, houve dois grandes avanços na educação do Brasil e de outros países da América Latina, como o Chile. O primeiro diz respeito ao ingresso maciço das crianças na escola, o que é um começo. O outro se deve à disseminação da cultura de avaliar o ensino por meio de indicadores objetivos, e não mais da intuição. O problema agora é aplicar tantas planilhas à vida real. Atualmente, os números apontam para uma direção e os governantes seguem na outra. Isso ocorre por falta de interesse político ou mesmo por pura desinformação. Em minha experiência como ministro da Educação no Chile, pude constatar que o país carecia do básico: um bom quadro de técnicos para pôr os planos em prática. A educação chilena, é verdade, vem melhorando. Mas, tal qual a brasileira, está ainda, em certos aspectos, a um século de distância da americana e da europeia. Basta dizer que 50% dos estudantes concluem a escola sem entender o significado de uma frase simples. Eles apenas leem mecanicamente. Mais um sinal de que não dá para perder tempo com políticas caras – e sem efeito.
"No Brasil, os professores abusam da decoreba e os alunos absorvem as informações por fé – e não porque foram convencidos pela razão" |