Fotos divulgação e Reuters |
PARALISIA DA RAZÃO O inglês John Leach (à esq.) estuda a reação das pessoas em situações de risco, como o desastre aéreo na Holanda, na semana passada (acima): em emergências, parte do cérebro trava |
Foi depois de trabalhar como instrutor de técnicas de sobrevivência na Força Aérea britânica que o psicólogo inglês John Leach resolveu investigar, cientificamente, por que as pessoas reagem de maneiras tão diferentes quando correm risco de vida. Especializou-se em neurociência e, aos 55 anos, é considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto. Ele deu a seguinte entrevista à repórter Camila Pereira.
Em 25 anos de estudos, o senhor conseguiu entender por que muita gen-te fica paralisada numa emergência?
Compreendi que o nosso cérebro não funciona plenamente quando mais precisamos dele. No momento em que as vítimas de um acidente percebem a tragédia, elas perdem, no ato, sua capacidade cognitiva. Minhas pesquisas mostram que isso acontece porque a área responsável pela maior parte do raciocínio reduz drasticamente sua atividade. Sem ela, restam apenas reações automáticas. Ocorre com todo mundo. Até mesmo com aquelas pessoas de mais sangue-frio no dia-a-dia.
Mas as pessoas não têm reações diferentes nessas situações?
Sem dúvida, o que não significa que estejam sendo racionais. Muitas tomam a decisão certa por pura sorte. Outras fazem isso mecanicamente, sem o uso do intelecto. São aquelas que já viveram uma situação de emergência antes, passaram por algum treinamento para lidar com ela ou, pelo menos, se deram ao trabalho de checar onde estavam as saídas de emergência.
Isso faz muita diferença na hora de um desastre?
Basta dizer que, para uma pessoa treinada, o intervalo de tempo entre a percepção do perigo e a reação do corpo é de apenas 100 milésimos de segundo. Para a maioria dos mortais, o mesmo processo leva, no mínimo, dez segundos. É curioso observar ainda como, anestesiados pela tragédia, muitos tendem a agir normalmente, como se não houvesse acidente nenhum.
Dê um exemplo.
Na Inglaterra, houve um acidente com um Boeing 737, em 1985. O avião pegou fogo ainda na pista de decolagem, mas logo chegaram os bombeiros, que controlaram o incêndio em menos de dois minutos. Mesmo assim, 55 pessoas morreram. Com as saídas de emergência abertas e as rampas acionadas, por que elas não fugiram? Decidiram antes pegar as bagagens de mão. Parece absurdo, mas, com o funcionamento do cérebro prejudicado, tudo o que as pessoas conseguiram foi recorrer ao comportamento-padrão na hora de sair do avião.
Quando, afinal, os sobreviventes de um acidente retomam a razão?
O funcionamento do cérebro de 10% deles se normaliza em questão de minutos. São esses que costumam liderar os demais. No caso de 80% das pessoas, no entanto, o processo é mais demorado. Elas terão chance de sair vivas se receberem ajuda rápida. Sobram ainda 10% das vítimas, que, num acidente, não deixam o estado inicial de paralisia. São as que não se mexem, obstruem as saídas de emergência e que ninguém quer ter ao lado num desastre.
Como é o seu método de pesquisa?
Observo pessoas submetidas a situações de altíssimo risco, como aquelas que pulam de paraquedas pela primeira vez na vida. Antes do salto, elas respondem a uma batelada de testes para aferir seu nível de cognição. Logo depois da queda, passam por uma nova série de exames. Cruzei as informações obtidas nesse tipo de teste com a observação sistemática do cérebro e com entrevistas que fiz com centenas de sobreviventes de grandes tragédias. Está claro que a inteligência ajuda muito pouco nessa hora.