NOVA YORK. Mais uma vez a proximidade conceitual entre parcela ponderável do governo Lula com as atitudes do histriônico protoditador venezuelano Hugo Chávez deixam a política externa brasileira em situação absurda. A tentativa oficial do Itamaraty de se equilibrar entre a solidariedade ao povo palestino e o direito de Israel de existir sempre revela uma posição mais favorável à crítica à "reação desproporcional" do que à condenação aos ataques do Hamas. Se somarmos a essa posição no mínimo ambígua, mas amparada em uma posição humanitária consensual, as declarações do assessor especial Marco Aurélio Garcia e a nota do PT, teremos um quadro em que o governo brasileiro corre o risco de se comparar com a irresponsável política bolivariana.
Seria exagero atribuir à declaração de Garcia ao jornal "Valor" de que Israel pratica "terrorismo de Estado" na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza a expulsão pela Venezuela do embaixador israelense "em sinal de solidariedade com o povo palestino", mas há quem tenha visto nessa atitude um desejo de Chávez de não ficar atrás do que identificou ter sido uma posição oficial do governo brasileiro.
O mais provável é que das duas cabeças tenha saído a mesma radicalização por simples "proximidades conceituais", ainda mais que o PT soltou uma nota oficial subindo mais ainda o tom, comparando a atuação de Israel a atitudes nazistas.
A confusão entre as posições do PT e as do governo brasileiro sempre acontecem quando está envolvido no episódio o assessor especial Marco Aurélio Garcia. Assim foi no caso da crise do Equador com a Colômbia envolvendo as Farc, e volta a ser agora, com os compromissos políticos do partido que tem Lula como presidente de honra destoando de uma política de governo que teria que ser independente e cautelosa.
Mas a postura do PSDB, evitando tomar partido no conflito entre Israel e o Hamas, também não ajudou a dar equilíbrio político à visão brasileira, já que, ao contrário da radicalização petista, os tucanos optaram por ficar "em cima do muro", justificando a atitude pelo fato de o conflito "ser muito complexo".
Um partido que pretende assumir o governo, e que já lá esteve por oito anos, tem obrigação de ter posição formada num conflito tão fundamental para a paz mundial, e poderia ter recorrido aos ex-chanceleres que atuaram no governo de Fernando Henrique para se posicionar de maneira mais clara.
O governo Lula já vinha se posicionando de forma mais aberta na tentativa de exercer uma política externa agressiva, se aproximando dos países árabes sem causar danos nas relações com o chamado "mundo ocidental", especialmente Estados Unidos e Israel.
Em 2005, promoveu a primeira cúpula entre a América do Sul e os países árabes em Brasília, e teve um relativo sucesso, com alguns percalços, tendo sido a cúpula previsivelmente um palco aberto para ataques de todos os tipos, com temas delicados como terrorismo e democracia.
A proximidade com os países árabes tem fortes apoios econômicos, numa região com disponibilidade de capitais para investimento, e uma necessidade imensa de serviços, setor onde nós somos bons e temos tradição de construir estradas, hidrelétricas, usinas, obras urbanas.
A aproximação do Brasil com os países árabes não colocou em risco nossa relação com os Estados Unidos, nem com Israel, embora, na ocasião, o governo Bush tenha querido participar da Cúpula como "observador", o que lhe foi corretamente negado, e tentado pressionar alguns países árabes amigos para que esvaziassem a reunião.
O sucesso diplomático acabou sendo relativo, sem que o governo brasileiro tenha conseguido incluir a defesa da democracia no comunicado final. A análise geral é que, enquanto a América do Sul estiver dominada por governos como o de Chávez, que agora se junta em projetos militares com o Irã de Ahmadinejad, e outros que cultivam o antiamericanismo como política de governo, o Brasil continuará sendo um ponto de equilíbrio, mesmo que avance em posições independentes como agora faz em relação a Israel.
Mas deixar que um assessor especial que trata de política internacional suba de tom como fez Marco Aurélio Garcia pode atrapalhar todo um processo político que já não vem sendo conduzido com a necessária competência.
No Oriente Médio, não adianta tentar ter relações com o mundo árabe alienando inteiramente Israel. A solução palestina, com a criação de um Estado independente, deve ser o caminho para as negociações, e seria mais positivo que o governo brasileiro já se posicionasse nesse sentido, que deve ser o caminho a ser seguido pelo futuro governo de Barack Obama nos Estados Unidos.
No momento em que for resolvida a questão palestina, tudo indica que a relação do mundo árabe preferencial vai ser com Israel, que se transformará em uma imensa plataforma: de serviços financeiros, de infraestrutura, de intermediação comercial, em larga escala.
A "ambição de alto risco" da política externa brasileira, como a definiu o professor Clóvis Brigagão, da Universidade Candido Mendes, seria consequência de o governo Lula já ter tido três condutores da política externa: Marco Aurélio Garcia, o ex-ministro José Dirceu e o chanceler Celso Amorim, e se mantém hoje, mesmo com Dirceu fora do governo.
Há necessidade de a política do Itamaraty estar afinada com a sociedade brasileira, e nessa questão entre Israel e palestinos, a convivência pacífica que se registra no Brasil deveria ser norteadora das ações da política externa brasileira, que não pode confundir o governo com o Estado. As posições políticas e ideológicas do PT não podem se sobrepor às razões do Estado brasileiro.