A imprensa lhe faz mal ao fígado, queixou-se. A mesma imprensa à qual creditou, como já fizera, a sua ascensão à Presidência da República. Foi "produto direto da liberdade de imprensa", repetiu, alheio à incoerência entre essa constatação irrefutável e a sua visão gástrica do jornalismo. Paradoxos, aliás, não faltam quando Lula é instado a falar do assunto - sintoma, quem sabe, de que não o digere com facilidade. O presidente que se guarda de acessar as novas mídias porque também essas, a exemplo das tradicionais, lhe causariam desconforto estomacal, não hesita em saudar a diversidade de comentários disponível em "300 blogs". "Hoje a informação é mais plural", acredita. "Isso democratiza a imprensa, aumenta a capacidade do cidadão de interpretar o que lê."
Lula, ao que diz, não só não lê, não ouve e não vê o noticiário, como recomenda "a qualquer presidente" que se afaste da imprensa - e ainda dos políticos - nos fins de semana. A mídia, insiste, não lhe faz falta. "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns 30 jornais na cabeça todo santo dia", argumenta. "Não há hipótese de eu estar desinformado." Só há. "O tanto de pessoas" que conseguem escalar o gabinete presidencial evidentemente não pediram audiência para criticar o seu titular; têm, todas, interesses a defender, o que aconselha os seus porta-vozes a guardar para si as verdades inconvenientes de que tenham conhecimento sobre o desempenho do anfitrião. Além disso, Lula se informa nas sessões matinais de meia hora com o ministro da Comunicação do Governo, Franklin Martins, que o põe a par do noticiário do dia.
"Quando sai alguma coisa importante, a Clara (a assessora especial Clara Ant) e o Franklin me trazem o artigo ou mesmo o vídeo de uma reportagem de televisão", conta. Lula talvez não saiba, mas certa vez o presidente americano, George W. Bush, deu uma explicação semelhante para o fato de só bater os olhos nas manchetes - "eu raramente leio as matérias", admitiu, também numa entrevista. Ele se basta com os briefings diários do seu chefe de gabinete e do assessor de segurança nacional, "que provavelmente (sic) leram eles próprios as notícias". A diferença é que Bush, embora observando que muitas vezes as opiniões se misturam às notícias, não deixou de manifestar o seu "grande respeito" pela imprensa. "Nossa sociedade é uma boa, sólida democracia", disse, "porque temos uma boa, sólida mídia."
Eis a questão de fundo, mais ainda do que saber como o presidente da República se informa ou se é verdade que o jornalismo brasileiro lhe dá azia a ponto de ele manter uma distância profilática de jornais, revistas, sites e blogs. Líderes nacionais que conhecem a função não apenas informativa, mas, principalmente instrutiva da imprensa escrita não dispensam a sua leitura, como faz Lula - que, aliás, não lê nada. Quaisquer que sejam as suas mágoas em relação aos órgãos de comunicação de seus países e qualquer que seja a procedência das suas críticas ao modo como eles os tratam - e está para nascer o governante que não se sinta injustiçado pela mídia -, têm a devida noção da importância de sua contribuição, para a preservação e o aperfeiçoamento da democracia.
Desde o discurso de posse de 2003, a toda hora Lula se refere à sua escassa escolaridade em tom de quem se vangloria da facilidade com que aprende as coisas "de ouvido". Na verdade, não é o "problema da azia" que o afasta da leitura dos jornais, É, isso sim, a aversão natural que ele tem a qualquer espécie de leitura.