O GLOBO
Não sei por onde começar.
As notícias da ilha chegam de roldão, os acontecimentos se atropelam, alianças e cisões pululam em todos os cantos e não há como negar que o clima é francamente revolucionário. Amanhã, se tudo correr bem, deverei chegar por lá no fim da tarde, para juntar-me aos conspiradores liderados por Zecamunista, que passou uns dias em Itabuna se capitalizando, com a sorte habitual, numa sucessão de rodadas de pôquer milionárias e agora está ainda melhor do que no tempo do ouro de Moscou.
As reuniões, como não podia deixar de ser, são clandestinas, mas todo mundo sabe que se passam no restaurante Pandélis, do camarada Magno, que, depois do Dia da Dedada, levou uns tempos um pouco afetado da ideia e terminou por ingressar nas hostes bolcheviques. Com base no slogan "se eu tomo, todos tomam", ele vai exigir reciprocidade, quando chegar o próximo o Dia da Dedada. Os itaparicanos aceitam tomar a dedada, mas depois têm o direito de dedar os dedadores, dos quais o mais visado, que, se tivesse juízo, não pisava mais na ilha, é um grandalhão que ganhou a alcunha de Salame Atômico — não, infelizmente, em alusão a alguma iguaria, mas em brutal referência às dimensões de seu dedo funcional e a seu estilo de aplicação. "Quem tomou não esquece", me garantiu Magno. "Até hoje eu tenho cada pesadelo medonho e não suporto mais ver nem salsicha, quanto mais salame." Mas, embora conste dos pontos programáticos em debate, o Dia da Dedada Democrática não está entre os assuntos principais dos trabalhos, em que pese a discutidíssima e apoiadíssima emenda apresentada por Jacob Branco, de incluir entre os dedados um número mínimo, a ser fixado, de ocupantes de cargos eletivos.
Dizem que foi lindo, quando Jacob, declamando versos de sua própria autoria, descreveu, apesar de não abrir mão do paletó e gravata (a dedada tem que ter dignidade) o que ele, como sempre criativo, batizou de "democracia tóbica", que, como o nome indica, tem como pilar o princípio de que todos os tobas brasileiros são iguais perante a lei, em direitos e deveres, sem distinção de cor, sexo, religião e semelhantes. Se isso prevalecesse, com certeza a situação de todos iria melhorar, mas, a persistir essa de eles só no toba da gente e no deles nada da gente, um dia a casa cai. Chegaram a criar slogans e palavras de ordem, como "e no seu não vai nada, companheiro?" e o coro ritmado de "rede-rede-rede/saia dessa rede!/nossa posição/é de costas pra parede!", mas o entusiasmo arrefeceu diante das novidades trombeteadas pelo experiente Zecamunista e do realismo do filósofo pragmático Toinho Sabacu.
Como se sabe, o que primeiro ocorreu a ele foi a criação do Bolsa Viagra, mais tarde expandido para Bolsa Créu e respectiva Cesta Créu.
Mas isso não o deixou satisfeito. Pelo contrário, só fez abrir-lhe os olhos para lacunas, que, se ignoradas pelo zelo reformador do revolucionário, podem levar ao malogro as melhores iniciativas, ou, pior ainda, distorcêlas irreparavelmente. No início, pareceu uma grande ideia, mas a interferência sábia, equilibrada e sensata de Toinho Sabacu, cidadão de juízo e conduta exemplares, por todos respeitado, inclusive por Zecamunista, pôs um cobro aos desvarios dos mais radicais. Estes, sob a liderança esbugalhada de Elk Munheca, chegaram a obter, por aclamação, a criação dos Voluntários da Pátria Amante, compostos de pessoas de boa vontade de todos os sexos, dispostas a oferecer seus corpos em sacrifício pela harmonia e justiça social. Mas a voz sensata de Sabacu serenou os ânimos exacerbados. Fez a todos ver que aquilo não era mais revolução, mas descaração mesmo. E que Elk Munheca, dessa maneira alcunhado não à toa, fosse fundar uma ONG para ele e seus muitos correligionários e fosse ongar na casa da Mãe Joana, mas não desvirtuasse um movimento que tantos benefícios trazia para a esquecida população dos despencados, objetivo, aliás, que, se ele bem lembrava, era o que vinham buscando, antes de os oportunistas e desviacionistas tentarem suas manobras.
Nesse momento Zecamunista, que quase vira sua liderança abalada por esses equívocos ideológicos, apanhou novamente o bastão de comando e secundou, com elogios polissilábicos, a posição de Sabacu. Era isso mesmo, havia que levar-se em consideração o resgate, feito pela Dra.
Margarida Angélica, desses brasileiros e brasileiras esquecidos, os despencados.
Cabia, pois, em primeiro lugar, propor nova legislação, o Estatuto do Despencado. Como definir quem está despencado, haverá somente um grau de despencamento? Não é, nem de longe, tão simples quanto o Estatuto do Idoso. Como fazer a epistemologia do Despencamento? Declarou-se uma desorientação momentânea no plenário, mas Zecamunista, como sempre, sacou um trunfo da manga: Ary de Maninha! Mas é claro, Ary de Maninha, tribuno festejado na ilha e em toda a Bahia, exemplo de amor à causa pública, um talento a serviço da vanguarda.
Ele seria autor dos estudos preliminares e, possivelmente, do anteprojeto do Estatuto do Despencado. Contactado rapidamente, aceitou a proposta e já chegou à ilha para começar a trabalhar, exigindo como paga somente sua classificação como Despencado nível DCB, ou seja, De Cima a Baixo, com direito à plenitude vitalícia de seus direitos físicos e morais.
Assim de pronto, já planeja considerar crime inafiançável e, se possível, hediondo, negar de maneira grosseira ou insensível algo pedido pelo despencado ou despencada. Por exemplo, a uma resposta tipo "se enxergue, vê lá se eu vou ficar com um gordote careca e barrigudo como você", o despencado poderá brandir o Código e revelar à ofensora a gravidade do corrido: "Viu aqui? Crime hediondo e inafiançável. Motel ou delegacia? A escolha é sua." Felizmente chego amanhã, não estarei ausente no momento em que minha terra, mais uma vez, faz História.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2009
(3759)
-
▼
janeiro
(416)
- A saia-justa de Lula em Belém
- Estragos de um presidente ignorante Mauro Chaves
- Bolsas & famílias Míriam Leitão
- Repúdio ao protecionismo Celso Ming
- Aula magna de Heráclio Salles Villas-Bôas Corrêa
- Uma conta de chegar Dora Kramer
- Lula, a azia e Brown Clóvis Rossi
- Terra de cego Merval Pereira
- VEJA Carta ao Leitor
- VEJA Entrevista Mauricio de Sousa
- Diogo Mainardi Questão de tradição
- MILLÔR
- RADAR Lauro Jardim
- André Petry Lembra-te de Darwin
- J.R. Guzzo O preço a pagar
- Conversa com Diego Hypólito
- Aviação Lobistas cobram 18 milhões da Embraer
- Sarney se compromete com tudo e com todos
- O fim do terceiro mandato
- O PT, finalmente, expulsa Babu
- A cartada de 819 bilhões de dólares de Obama
- Investimentos Pé no freio atinge muitos proj...
- Davos O novo fórum social
- Especial Robinho: dinheiro, fama e confusão
- Tecnologia A banda larga superveloz
- O calendário maia, a nova superstição
- José Alencar: doze anos de luta contra o câncer
- O perdão para os excomungados
- Búzios: bom, bonito e caro
- Cães feios, mas queridos
- As musas do Carnaval 2009 cresceram
- Menos burocracia no dia-a-dia
- Menores, mas eficientes
- As estrelas da religião
- O Leitor, com Kate Winslet e Ralph Fiennes
- Dúvida, com Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman
- Se Eu Fosse Você 2, com Glória Pires e Tony Ramos
- Memória John Updike
- VEJA RECOMENDA
- Forum sexual mundial? Por Ralph J. Hofmann
- Transmutação quântica da consciência das zaméricas...
- Deve ser por isso... Maria Helena Rubinato
- Dora Kramer Tábua rasa
- Números contam Miriam Leitão
- Mau sinal Merval Pereira
- Clipping de 30/01/2009
- Outro mundo - Fernando Gabeira
- O que nos faz diferente desta vez-Luiz Carlos Mend...
- Maldito Estado, maldito mercado- Vinicius Torres F...
- A democracia que queremos - Marco Maciel
- Parque dos Dinossauros - Lula encontra Evo, Chávez...
- Dora Kramer Como Pôncio Pilatos
- Clipping de 29/01/2009
- Crime impune - Mírian Leitão
- Podemos exportar mais Alberto Tamer
- Obama e Lula Eliane Cantanhede
- O paradoxo de Davos Merval Pereira
- O capitalista e o comunista Clóvis Rossi
- O papel da oposição Gustavo Fruet
- O grande estelionato mercadista Vinicius Torres F...
- O governo começou Carlos Alberto Sardenberg
- A lógica circular da crise econômica Paulo R. Haddad
- Battisti, uma questão italiana Roberto Cotroneo *
- O caso Cesare Battisti Almir Pazzianotto Pinto
- Governo corta o vento que não virá por Míriam Leitão
- Burocratas do comércio Celso Ming
- O anacronismo - Mírian Leitão
- O que não faz sentido Dora Kramer
- À sombra de Obama Merval Pereira
- Por que Keynes? Antonio Delfim Netto
- Clipping de 28/01/2009
- Augusto Nunes O bravo vencedor da luta no açougue
- Paul Krugman How late is too late?
- Friedman: conflito entre palestinos e israelenses ...
- Falta governo
- Irmão gêmeo- Xico Graziano
- De lei forte e carne fraca Dora Kramer
- Retrato da crise Celso Ming
- Clipping de 27/01/2009
- Mudança dos ventos Merval Pereira
- Luzes de alerta Panorama Econômico - Mírian Leitão
- Rubens Barbosa,O BRASIL E OS EUA, DE OBAMA
- Um gato chamado ''Prestígio'' Gaudêncio Torquato
- A verdadeira face do presidente Carlos Alberto Di...
- As promessas de Jobim
- Clipping de 26/01/2009
- Clipping de 24/01/2009
- Clipping de 25/01/2009
- A ERA DA ESPERANÇA por Rodrigo Constantino
- LAPOUGE, OBAMA E AS FORMIGAS DE GAZA
- TRANSIÇÃO PARA O SOCIALISMO por Ipojuca Pontes
- FERREIRA GULLAR As razões do ódio
- VINICIUS TORRES FREIRE Lula, BNDES, fusões & aqui...
- Blindagem rompida Paulo Renato Souza
- Eleições e crise na América do Sul Sérgio Fausto
- Dora Kramer Caroço no angu
- Míriam Leitão O ar da mudança
- Celso Ming 100 bi para a mãe do PAC
- Só com palavras não se criam empregos José Serra
- Modelo distorcido Merval Pereira
-
▼
janeiro
(416)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA