A queda do muro de berlim completa 20 anos em 2009. Essa data tão marcante parece que foi nublada pela crise econômica e pelos outros “muros” que ainda permanecem. Muita coisa precisa melhorar, mas não é justo dizer que a época da Guerra Fria era melhor. O mundo pós-1989 trouxe ganhos e potencialidades que devem ser revigorados no aniversário dessa surpreendente revolução pacífica.
Inegavelmente, a derrubada do Muro abriu mais fronteiras do que as que separavam as duas Alemanhas. Pelo ângulo político, vários países se livraram de regimes autoritários, e a democracia se tornou mais presente do que em qualquer época da história humana. Claro que ainda existem ditaduras, mas cada vez mais elas se tornam anacrônicas, atacadas como se fossem um estágio atrasado dos povos. Quem a mantém com menos pressão internacional é a China, graças à espantosa riqueza produzida por lá nos últimos 20 anos, para o mundo e para os chineses.
A exceção chinesa revela um paradoxo desse país em relação a 1989. Por um lado, a China realizou o inverso do sonho berlinense, no deplorável massacre da Paz Celestial. Ali foram enterradas as esperanças democráticas de uma geração. Por outro, o impulso globalizante trazido pela queda do Muro de Berlim foi um dos responsáveis pelas mudanças econômicas que favoreceram o estupendo crescimento chinês. Provavelmente, esse processo permitiu a convivência entre a bonança e a ditadura. A lição que podemos tirar disso é que a economia não é capaz, sozinha, de melhorar os regimes políticos. Mas a abertura de novas possibilidades de vida aos povos, como ocorreu com parte dos chineses nos últimos 20 anos, dificulta o retorno às condições anteriores. Se a crise atingir em cheio à China, o descontentamento chegará a níveis maiores que os de 1989. E será difícil manter a ordem apenas com uma solução ao estilo do massacre da Paz Celestial.
O processo globalizante impulsionado pela queda do Muro de Berlim deve ser avaliado não como um fato negativo, como agora fazem alguns, mas como imperfeito, por sua incompletude. A destruição da Guerra Fria gerou estilhaços de mudanças positivas pelo mundo, tanto no campo político como no econômico. Ganharam destaque temas que lutavam contra fronteiras físicas ou ideológicas, como a internet, o meio ambiente, a defesa dos direitos humanos e da diversidade cultural. É o “lado bom” da globalização. Mas os estilhaços positivos da queda do Muro não foram capazes de produzir uma governança global. As relações entre os países continuaram assimétricas. Prova disso é a manutenção do poder intervencionista dos mais fortes acima das instituições internacionais. Nessa linha de problemas, a ordem financeira global desenvolveu-se sem uma regulação eficaz, gerando crises.
A chegada de uma nova crise econômica global pode inspirar a volta dos sonhos de 1989
A chegada de uma nova crise econômica, agora de proporções épicas e atingindo o coração do capitalismo, pode trazer de volta os sonhos berlinenses de derrubadas dos “muros” que afligem a sociedade contemporânea. Mas eles só poderão ser destruídos se duas coisas que estiveram presentes naquele novembro de 1989, em Berlim, inspirarem as decisões dos governos, principalmente dos mais poderosos. A primeira diz respeito à palavra que mobilizou os berlinenses: unificação. Trata-se de constituir objetivos comuns e estabelecer uma atuação coordenada dos governos. A cooperação internacional é essencial para atacar os grandes problemas do mundo, seja os mais conjunturais, vinculados à ordem econômica, seja os de longo prazo, como a questão ambiental.
O outro legado importante da queda do Muro de Berlim refere-se à crença de que é possível mudar e mobilizar-se para isso. Muitos serão céticos quanto à possibilidade de melhorar o mundo em 2009, colocarão empecilhos e gerarão imobilismo. É verdade que a boa análise parte do princípio de que a imperfeição é uma marca da humanidade. Mas a história contém momentos em que os homens lutaram e alcançaram o inimaginável. É o que nos leva a retomar o sonho berlinense 20 anos depois.
Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Inegavelmente, a derrubada do Muro abriu mais fronteiras do que as que separavam as duas Alemanhas. Pelo ângulo político, vários países se livraram de regimes autoritários, e a democracia se tornou mais presente do que em qualquer época da história humana. Claro que ainda existem ditaduras, mas cada vez mais elas se tornam anacrônicas, atacadas como se fossem um estágio atrasado dos povos. Quem a mantém com menos pressão internacional é a China, graças à espantosa riqueza produzida por lá nos últimos 20 anos, para o mundo e para os chineses.
A exceção chinesa revela um paradoxo desse país em relação a 1989. Por um lado, a China realizou o inverso do sonho berlinense, no deplorável massacre da Paz Celestial. Ali foram enterradas as esperanças democráticas de uma geração. Por outro, o impulso globalizante trazido pela queda do Muro de Berlim foi um dos responsáveis pelas mudanças econômicas que favoreceram o estupendo crescimento chinês. Provavelmente, esse processo permitiu a convivência entre a bonança e a ditadura. A lição que podemos tirar disso é que a economia não é capaz, sozinha, de melhorar os regimes políticos. Mas a abertura de novas possibilidades de vida aos povos, como ocorreu com parte dos chineses nos últimos 20 anos, dificulta o retorno às condições anteriores. Se a crise atingir em cheio à China, o descontentamento chegará a níveis maiores que os de 1989. E será difícil manter a ordem apenas com uma solução ao estilo do massacre da Paz Celestial.
O processo globalizante impulsionado pela queda do Muro de Berlim deve ser avaliado não como um fato negativo, como agora fazem alguns, mas como imperfeito, por sua incompletude. A destruição da Guerra Fria gerou estilhaços de mudanças positivas pelo mundo, tanto no campo político como no econômico. Ganharam destaque temas que lutavam contra fronteiras físicas ou ideológicas, como a internet, o meio ambiente, a defesa dos direitos humanos e da diversidade cultural. É o “lado bom” da globalização. Mas os estilhaços positivos da queda do Muro não foram capazes de produzir uma governança global. As relações entre os países continuaram assimétricas. Prova disso é a manutenção do poder intervencionista dos mais fortes acima das instituições internacionais. Nessa linha de problemas, a ordem financeira global desenvolveu-se sem uma regulação eficaz, gerando crises.
A chegada de uma nova crise econômica global pode inspirar a volta dos sonhos de 1989
A chegada de uma nova crise econômica, agora de proporções épicas e atingindo o coração do capitalismo, pode trazer de volta os sonhos berlinenses de derrubadas dos “muros” que afligem a sociedade contemporânea. Mas eles só poderão ser destruídos se duas coisas que estiveram presentes naquele novembro de 1989, em Berlim, inspirarem as decisões dos governos, principalmente dos mais poderosos. A primeira diz respeito à palavra que mobilizou os berlinenses: unificação. Trata-se de constituir objetivos comuns e estabelecer uma atuação coordenada dos governos. A cooperação internacional é essencial para atacar os grandes problemas do mundo, seja os mais conjunturais, vinculados à ordem econômica, seja os de longo prazo, como a questão ambiental.
O outro legado importante da queda do Muro de Berlim refere-se à crença de que é possível mudar e mobilizar-se para isso. Muitos serão céticos quanto à possibilidade de melhorar o mundo em 2009, colocarão empecilhos e gerarão imobilismo. É verdade que a boa análise parte do princípio de que a imperfeição é uma marca da humanidade. Mas a história contém momentos em que os homens lutaram e alcançaram o inimaginável. É o que nos leva a retomar o sonho berlinense 20 anos depois.
Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA