Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 12, 2012

Fé em São Dimas João Ubaldo Ribeiro

Estadão
Na ilha, a situação nacional, como sempre, é acompanhada atentamente.
E há repercussões interessantes, como o mais novo filho de Bilibiu da Misericórdia.
Bilibiu está entradinho nos anos, mas continua, depois de uns vinte ou trinta filhos com esposas e raparigas diversas, em franca atividade procriativa.
Contam-me que ele confessa aos amigos que quer parar. "Mas não posso, tenho mulher para atender, tenho responsabilidade", diz ele. E, na terra que já deu ao mundo Edminoelsons, Crismátemos, Agalateias, Voshitonluizes, Rosexcelsas, Widmarksons e tantos outros exemplos de criatividade onomástica, ele se destaca pela originalidade com que costuma batizar os filhos.
Assim de cabeça, para citar apenas alguns, lembremos Compulsórimo José (pedreiro hoje em Salvador, assim chamado em alusão ao empréstimo compulsório), JKBrasílica (professora primária também radicada em Salvador, cujo nome verdadeiro não tem essas três iniciais maiúsculas porque o escrivão bronqueou) e Raimundo Jangojânio (barraqueiro na feira de São Joaquim, igualmente radicado em Salvador, nome em clara homenagem aos dois presidentes).
 Não nascia filho de Bilibiu já fazia algum tempo, mas agora vem mais um por aí. Hoje em dia, adivinhar o sexo da criança perdeu a graça, porque a mulher vai ao hospital, faz lá um exame que televisiona a barriga por dentro e volta sabendo se é homem ou mulher.
E esse que vai nascer daqui a uns meses é homem, de maneira que Bilibiu não precisou esperar para encontrar um nome.
Acha bonito o do ex-tesoureiro do PT e o menino deverá ser batizado como Dilúvio Soares. Dilúvio Soares da Abolição, depois de acrescentado o nome de família de Bilibiu. Houve quem quisesse dissuadi-lo, mas ele é mais teimoso do que cinco mulas e em breve poderemos contar com Dilúvio Soares entre nossos mais jovens conterrâneos, a ilha sempre na vanguarda.
Há outras repercussões aqui e ali.
De fonte limpa, soube que Negão, dono do festejado Restaurante do Negão, no largo da Quitanda, está estudando um menu para a alta estação, em que o ponto alto vai ser uma esplêndida moquequinha de arraia, à altura do renome gastronômico da casa. Até aí, nenhuma novidade, só que essa moqueca vai ser inteiramente de arraias pequenininhas, miudinhas mesmo, uma moqueca de arraia miúda.
O nome dessa moqueca será "Moqueca da Cadeia". É um belo lance mercadológico. O freguês entra, pede o cardápio e pergunta o que é moqueca da cadeia, ao que lhe respostam que se trata de uma moquequinha de arraia, e mais nada dizem até a chegada do prato.
Vendo então aquelas arraias miudinhas, o freguês inquirirá sobre a razão e aí, com um formoso sorriso nativo, a garçonete explicará que é moqueca da cadeia e na cadeia só entra arraia miúda, ele não sabia?
Como todo prato do Negão, essa moqueca deverá ser magistral e, com certeza, se tornará o must do próximo verão, Negão é esperto. Tem também o Tira-gosto CPI (uma farta porção de bocas de siri), o Zé Polvinho Brasileiro (polvo frito, com uma lula recheada de farofa por cima), o Pirão Político (feito com farinha do mesmo saco) e o Baiacu dos Outros, que ainda não sei bem como é, mas acho que é alguma coisa com o governo.
E quem pensar que Zecamunista está alheio a tudo não conhece a fibra do velho agitador. De fato, ele passou alguns dias ausente, mas estava em cidades bem maiores, defendendo um trocado no pôquer e aproveitando as horas vagas para organizar núcleos locais de seu Instituto Político de Corrupção Aplicada, com o que almeja, como acho que já contei aqui, "tirar da marginalidade milhões de corruptos hoje excluídos e sem oportunidade, pois, enquanto houver uma só vocação de corrupto sem ter onde corromper ou ser corrompida, não haverá uma verdadeira democracia no Brasil".
Diz ele que ficou muito animado com a receptividade dos prefeitos e vereadores contatados. "Todos são ladrões ou aspirantes", disse ele. "Tenho de reconhecer que nosso país é fantástico, o potencial é incalculável".
Mas o julgamento do mensalão o vem preocupando bastante. Num papo meio confessional, ele me disse que estava com medo de que houvesse condenações. Com que cara ia ficar, diante dos futuros alunos e professores do instituto, a quem garantira por A mais B que a carreira de corrupto não oferecia nenhum risco? Mais uma pedra nos obstáculos à Revolução.
 O passado não oferece razões para temer o pior, mas nunca se sabe. - Bem, só me resta torcer. E também fiz uma promessa a São Dimas. - Como é? Você o quê? São Dimas? - O padroeiro dos ladrões, você não tem nada que estranhar. Ladrão também não é filho de Deus? Então tem direito a santo padroeiro. Esse São Dimas era de uma grande linhagem de ladrões, o pai dele ganhou o título de Princeps Latronum, do ramo desde o berço, bom santo, estou por dentro de tudo, conversei com o padre.
- Mas como é esse negócio de santo com você? Outro dia, você passou pela frente da igreja e tirou o chapéu. Tudo bem, você disse que era por educação. Mas fazer promessa a santo? - Resolvi que também vou entrar na onda e ser pragmático, estou jogando em todas as frentes. Prometi ao santo que, se o pessoal do mensalão for absolvido, não só mando rezar uma novena para ele, como fecho a pizzaria de Tinho e mando servir pizza de graça a quem aparecer, do meio-dia à meia-noite, alimentando os famintos e propagando o símbolo dos apadroados dele.
- Mas, rapaz, quem diria, um comunista fazendo promessa a santo. - Você não entende nada de alta política. Tem quem vá tomar a bênção a Dr. Maluf. Eu fui ao santo. Me considero em melhor colocação.

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