O GLOBO - 26/08
Amanhã começa uma semana em que o processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal terá duas definições: o primeiro veredicto do plenário, com os votos dos ministros sobre as acusações do item "desvio de dinheiro público", e a definição sobre o voto do ministro Cezar Peluso, que poderá pedir para antecipá-lo integralmente quando chegar sua hora de votar ou dar apenas seu parecer sobre o tema em julgamento nessa primeira "fatia" do processo. Cabe a ele, e somente a ele, decidir se pede essa exceção ou não. Ao presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, o regimento interno permite que autorize o pedido, sem consultar o plenário.
O mais provável é que, se Cezar Peluso se decidir a votar integralmente, já terá a certeza de que a maioria do plenário é favorável.
Por sua experiência e saber jurídico, o ministro Peluso é considerado capaz de dar o "voto médio" do Supremo, isto é, aquele voto que pode dar um balizamento no julgamento.
As circunstâncias criaram uma pressão extra sobre sua decisão, pois a próxima quinta-feira deverá ser sua última sessão no Supremo, obrigado que está por lei a se aposentar quando faz 70 anos, no dia 3 de setembro.
Com um sentido distinto daquele que o prefeito petista de São Bernardo Luiz Marinho disse sobre o ministro José Dias Toffoli, muitos consideram que Peluso "não tem o direito de não participar".
Isso por que estaria privando o STF de seu veredicto, que não se sabe qual será, mas é temido pelos réus, além de provocar uma situação que pode ser explorada por quem quer melar o julgamento.
Como é possível um juiz condenar sem dar penas, perguntam alguns, já que Peluso estará aposentado quando o STF decidir as penas.
Alguns réus serão julgados por um plenário de 11 ministros e outros com um de 10, e os que desejam criar um ambiente de descrédito no julgamento colocam isso como uma falha. Não há nada de anormal nesse fato, e outras circunstâncias, além da aposentadoria, poderiam provocar esse desfalque, que não afeta a capacidade de julgamento do STF, cujo quorum mínimo é de seis ministros.
Peluso só faz um comentário a respeito: "Vocês saberão no momento próprio". É natural que ele pese bastante sua atitude, que ficará na história do Supremo e, sobretudo, na sua biografia.
Existe uma máxima dos julgamentos, usada por um dos advogados dos réus, de que "o que não está nos autos não está na vida", a justificar os julgamentos puramente técnicos, como o alegadamente proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski ao absolver o deputado petista João Paulo Cunha.
Ele diz que, nos julgamentos, cada juiz tem uma valoração sobre as provas e uma maneira diferente de interpretar a lei.
Para justificar não ter ligado o desvio de dinheiro público do Banco do Brasil, que ele condenou, à distribuição do dinheiro que Marcos Valério realizou, ele diz que não é possível fazer-se essa ligação nos autos.
Assim como quando alega que a mulher do deputado assinou um recibo no Banco Rural, não leva em conta que os recibos não eram papéis formais que seriam enviados aos órgãos fiscalizadores, mas uma contabilidade interna não oficial, quase uma "prestação de contas" do Banco Rural a Marcos Valério sobre quem pegou o dinheiro.
Esses recibos só foram descobertos anos depois das denúncias, nos arquivos do banco, sendo que o que foi para o Banco Central se referia aos saques como "pagamentos para fornecedores" da SMP&B.
Mas há outros juízes que pensam o contrário, que a vida deve influenciar a interpretação dos autos. Por isso, juízes encontrarão vários depoimentos de petistas ilustres e políticos aliados do governo dizendo que o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, não interferia nas coisas do PT.
Mas todos eles acompanharam os primeiros anos do governo Lula e sabem o poder de que Dirceu desfrutava na máquina governamental.
No caso de João Paulo, haverá juízes que saberão fazer o nexo entre causa e efeito, e não considerarão coincidência a presença de Marcos Valério nas duas pontas. O grande teatrólogo Nelson Rodrigues, cujo centenário de nascimento comemora-se este mês, dizia que "Deus está nas coincidências".
Entrevista:O Estado inteligente
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