O GLOBO - 31/08
Acabaram as Olimpíadas, mas a capital inglesa continua a saga esportiva. Iniciados em Roma-1960 e desde Seul-1988 chamados Paralympic Games, os Jogos que sempre chamamos de Paraolimpícos aparecem este ano com a nomenclatura do inglês. Para atender a um pedido do comitê organizador, agora escrevemos essa palavra sem O: Paralimpíadas...
O português não é o inglês, e a nova palavra gera estranheza a nossos ouvidos e olhos. Afinal, não há razão técnica que explique o sumiço do O e a manutenção do A. Nesses casos, quando nossa língua pratica a redução de um hiato, quem cai é a primeira vogal: "de+onde" não vira "dende" (vira donde) e "para+o céu" não vira "pra céu" (vira pro céu). Não precisava, mas, se era para cortar uma vogal no nome do evento, o esperado era que fosse Parolimpíadas.
Eis aí uma lógica invertida, que ganha espaço no noticiário. Será que seremos levados a anglicizar a sigla do CPI, Comitê Paralímpico Internacional, passando a escrever IPC, International Paralympic Committee? Claro que não. A ONU não vai virar UN nem a Otan vai virar Nato, do inglês. Sabemos que na língua tudo tem a ver com o uso vigente à época de sua criação ou difusão, inclusive as siglas: no Brasil podemos falar em OVNI, mas talvez a moda seja dizer UFO, o que explica a opção por Aids em terras brasucas - Sida só em Portugal.
E por falar em terras brasucas (assim escritas porque são brasileiras) acaba de surgir um concurso de palavras, promovido por empresa multinacional, que é capaz de gerar desconfianças sobre nossas identidades brasucas. O nome oficial da bola da Copa do Mundo de 2014 pode ser brazuca, com Z.
Ah, é só o nome da bola, ninguém deve ligar para isso. Claro que é só o nome da bola, mas cabe perguntar: por que o nome proposto para a bola da Copa no Brasil tem de ser brazuca, com Z? Se a Copa fosse em Portugal, a bola poderia ter o nome de portuga; se fosse em Moçambique, poderia ser moçambicuda... No Brasil, só poderia ser brasuca!
Estamos ou não diante de um paradoxo? Escrever brazuca porque Brasil em inglês é Brazil faz lembrar a letra da canção de Rita Lee, que diz: "Vê se não esquece, meu Brasil é com S" (e nossa brasuca também, claro).
Dos bancos escolares aos magros resultados obtidos por nossos estudantes nas provas de português do Enem, muita coisa ainda cheira a paternalismo por aqui. A ortografia não é só uma superfície comercial para o nome de um evento ou de um produto a ser explorado pela máquina do mercado. O modo de escrever palavras novas internacionalizadas revela alguma coisa sobre um povo, entre elas a maneira como esse povo "veste" sua língua (a ortografia é apenas uma vestimenta para as palavras).
Resta saber se vai adiantar dizer agora que as grafias "paraolímpíadas" e "brasuca" estão assim registradas no Vocabulário Ortográfico da ABL e que todas essas coisas têm a ver umas com as outras...
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