O Estado de S.Paulo - 26/08
Mais um prego foi posto no caixão do Mercosul, com a decisão final do Senado paraguaio contra o ingresso da Venezuela no bloco. No próximo ano o Paraguai voltará a participar das decisões da união aduaneira, depois de cumprida a truculenta suspensão imposta pelos governos brasileiro, argentino e uruguaio. Haverá cinco presidentes nas reuniões de cúpula, mas a participação de um deles será considerada ilegítima por um dos sócios fundadores do clube. E como poderá funcionar esse clube, se os seus estatutos já foram desmoralizados quando três dos seus membros decidiram sobrepor as considerações políticas - ou simplesmente ideológicas - aos compromissos jurídicos?
O Paraguai foi suspenso do Mercosul porque as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner decidiram classificar como golpe a deposição do presidente Fernando Lugo, mesmo sem evidência de violação de qualquer lei paraguaia. O presidente uruguaio, José Mujica, mostrou-se fraco e acabou aceitando as imposições de suas colegas.
Nesse momento, o processo de adesão da Venezuela ao Mercosul ainda tramitava no Senado paraguaio. Sabia-se da forte oposição ao projeto, mas faltava a decisão. Brasil, Argentina e Uruguai já haviam aprovado, mas o ingresso do quinto sócio dependia de uma resolução unânime. As presidentes brasileira e argentina quiseram aproveitar a suspensão do Paraguai para abrir a porta ao novo sócio. O presidente uruguaio, José Mujica, mostrou-se novamente fraco e acabou concordando, contra a opinião do vice-presidente e do ministro de Relações Exteriores de seu país. Nos dias seguintes, os dois criticaram severamente o golpe e denunciaram a violência contra as instituições do bloco.
Logo depois da queda de Fernando Lugo, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o chileno José Miguel Insulza, comandou uma missão ao Paraguai. Em seu relatório, ressaltou a normalidade política no país, enquanto os governos de vários países, incluído o Brasil, insistiam em condenar como golpista a recém-instalada administração do presidente Federico Franco.
Nesta semana, finalmente, o Conselho da OEA examinou o assunto. A avaliação foi concluída sem consenso, mas a maioria dos embaixadores apoiou o relatório de Insulza. Não houve comunicado oficial sobre as manifestações, mas, segundo o representante paraguaio, Hugo Bernardino Saguier, 26 dos embaixadores foram favoráveis à opinião do secretário-geral. Apenas 8 foram contrários, incluídos, naturalmente, o brasileiro, o argentino e o venezuelano. Mesmo sem contagem oficial de votos, foi uma indubitável vitória do governo paraguaio. As próprias autoridades do Paraguai pediram o envio de observadores da OEA ao país, a partir de dezembro, para acompanhar a campanha, a preparação e a realização das eleições previstas para abril.
Na quinta-feira, o Senado paraguaio finalmente votou a proposta de ingresso da Venezuela. Houve 31 votos contrários e 3 favoráveis. Onze senadores faltaram. A decisão torna mais complicada a situação do bloco, já comprometida pela truculência das presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner e pela fraqueza do presidente José Mujica.
A legalidade do ingresso da Venezuela já era contestável quando foi decidida pelos três presidentes, na reunião de cúpula de Mendoza. Sem referência à hipótese de suspensão, o Tratado do Mercosul condiciona a admissão de um novo sócio à decisão unânime dos membros fundadores. Essa cláusula foi atropelada.
Outras decisões políticas do Mercosul dependem também de unanimidade. Como se poderá atender a essa condição, depois da volta do Paraguai, se o governo paraguaio rejeitar a presença do quinto sócio? Mesmo sem esse problema, o bloco já estaria em péssimas condições, pela mediocridade de seus objetivos diplomáticos e até por sua incapacidade de funcionar como simples zona de livre comércio. Promissor em seus primeiros anos, o Mercosul é hoje um bloco paralisado e um entrave a qualquer iniciativa mais ousada e mais inteligente de seus membros. Melhor seria enterrá-lo como união aduaneira e retomar com seriedade os objetivos iniciais.
Entrevista:O Estado inteligente
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