FOLHA DE SP - 26/08
É inacreditável: alguns, assim que convocados, já entram com pedido de habeas corpus
O JULGAMENTO do mensalão demarrou -enfim-, mas a CPI do Cachoeira continua em ponto morto. Não é segredo para ninguém que há uma blindagem para que ela não prossiga, com o propósito claro de não salpicar lama no governador Sérgio Cabral. Mas já salpicou.
No Brasil com tantas leis, tantas brechas, tantas filigranas que qualquer advogado de porta de xadrez encontra para proteger seus clientes ou postergar os julgamentos, será que não existe nenhuma possibilidade que impeça os convocados de ficarem calados quando interrogados, como permite a Constituição?
É inacreditável: alguns, assim que convocados, já entram com pedido de habeas corpus antes do comparecimento, para ter o direito de não falar; e se ninguém fala, não há CPI que prospere.
Se os convocados tivessem que jurar sobre a Bíblia, como se vê nos filmes americanos, também não adiantaria: eles mentiriam com a cara mais limpa, como aliás fizeram todos os réus do mensalão. E como o mensalão é a grande novela do momento, fala-se pouco da CPI do Cachoeira.
Com a abertura do sigilo bancário da Delta, de muita coisa vai se saber, mas como os interessados em que nada apareça são maioria na CPI -afinal, o governador do Rio é assim, ó, com a presidente Dilma-, já se sabe que, quando Cavendish aparecer para depor, vai fazer como todos os outros fizeram até agora, isto é, vai entrar mudo e sair calado; se ele for, claro. Isso é um escárnio, seja o convocado do PT, do PSDB ou do PMDB. É simples: eles têm que falar.
Será que não há um jurista, um advogado, um senador, uma autoridade, enfim, que encontre uma maneira de obrigá-los a responder às perguntas? Eles pensam que o episódio grotesco da dança em Paris, com os guardanapos na cabeça, já foi esquecido, e o governador segue a linha Lula: se esconde e não diz uma só palavra.
Pensa que os eleitores se esquecem, e vai ver, tem razão. Vide Maluf; não tem gente que ainda vota nele? E por que não abrem as contas bancárias da Delta, como forçar para que isso aconteça?
Afinal, nunca se ouviu falar de uma empreiteira que tenha conseguido fazer tantas obras em tantos Estados do país.
Cavendish sumiu do mapa, ninguém sabe, ninguém viu. Não é mais presidente da Delta, não é mais visto em lugar algum.
Se ele não falar, como os outros fizeram até agora, vai dar razão a quem diz que trata-se de uma máfia, cujo código de honra é o silêncio, a famosa "omertá". É só lembrar de Don Corleone, no "Poderoso Chefão". Quem será o "capo"?
Enquanto escrevo, acompanho pela televisão o voto do ministro Ricardo Lewandowski, ex-vice-diretor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, com sua toga de veludo, que já absolveu João Paulo Cunha, até agora, de dois crimes.
Nenhuma surpresa: o Brasil inteiro já intuía como seria o voto do ministro.
Voltando à CPI do Cachoeira: não é possível que se ouça, também de Cavendish, o que já virou chavão: "Segundo a Constituição, vou usar do meu direito para não responder".
Não pode, ou melhor, não deveria poder. Tem que responder.
Entrevista:O Estado inteligente
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