O ESTADÃO - 24/08
Quando o governo compra serviços de um grupo de pessoas, ou seja, de uma empresa,é obrigado a seguir uma série de procedimentos para obter o menor preço, resguardada a qualidade.Quando o fornecedor é um indivíduo, um servidor público, tudo muda: a contratação passa a seguir regras que, aplicadas a uma entidade privada,seriam consideradas escandalosas. No primeiro caso há uma tentativa de respeitar o dinheiro da população. No segundo essa preocupação desaparece. Observando as notícias da greve de funcionários públicos que ora se desenrola,fica evidente que boa parte do Estado brasileiro serve a indivíduos em detrimento da população em geral.
Fornecedor é fornecedor, não há diferença se presta o serviço sozinho ou em grupo. No lado privado da economia, afora regulamentações trabalhistas arcaicas, é assim que as coisas ocorrem. Claro que,em troca da exclusividade (ainda que tácita, por causa do volume de trabalho contratado) embutida numa relação de trabalho,o contrato, ainda que livre das amarras da lei, usualmente incluirá provisões de proteção ao trabalhador, como aviso prévio em caso de encerramento, indenização por rompimento unilateral (demissão) e até regras de reajuste do valor do serviço. É exatamente o mesmo ao se contratar porção significativa da operação de uma empresa.
No setor público, entretanto, o contrato com os fornecedores isolados é absurdamente desvantajoso para o Estado. Imagine que o síndico do seu prédio resolvesse contratar funcionários com cláusulas de estabilidade permanente, salários muito acima dos pagos no seu bairro ou na sua cidade e benefícios como pensão integral: você acharia que esse síndico estaria cuidando bem do dinheiro dos condôminos? Como governo é ainda pior, pois você não pode mudar de país sem incorrer num custo muitas vezes proibitivo. E, para completar, os próprios funcionários votam e influem na eleição dos governantes.
Este último argumento merece ser explorado mais pausadamente: o peso desproporcional que o lobby dos funcionários públicos tem sobre o governo. Pensando em termos de incentivos, pode-se entender o que ocorre. Imagine que seja proposta uma legislação que favoreça os funcionários públicos em R$ 1 bilhão. Os funcionários federais, em torno de 1 milhão, podem gastar até aproximadamente R$ 1 mil cada um para influenciar sua aprovação e ainda sair no lucro. Esse gasto pode-se dar, por exemplo, no apoio do sindicato da categoria a um ou outro candidato ou partido político. Por outro lado, os 190 milhões de brasileiros que pagarão a conta sofrerão, de uma forma ou de outra, um custo adicional médio de cerca de R$ 5,26 cada um.Ora, não só é mais difícil organizar a população inteira, como o benefício individual (deixar de pagar os R$ 5,26) de qualquer mobilização nesse sentido certamente será menor que o custo (ainda que de tempo) de dedicar-se a tal intento.
Não é de espantar, portanto, que a combinação do sistema democrático de representação com a existência de funcionários públicos leve inexoravelmente a um crescente aumento dos privilégios desse grupo.
Uma questão paradoxal que diz respeito à remuneração dos servidores públicos e aos incentivos que o sistema político acaba por criar: diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, no setor público premia-se o fracasso com aumento de verbas e salários. Por exemplo, estamos em época de eleições e, segundo os recentes resultados doIDEB, sabemos que a educação avançou muito pouco e continua péssima. Mesmo assim, o que prometem os candidatos a prefeito? Aumentar salários de professores e funcionários.Em outras palavras, no governo, se os funcionários fizerem um péssimo trabalho, o mais provável é que eles venham a ser recompensados com aumentos.O resultado desse sistema é perverso e previsível: serviços públicos caros e de má qualidade.
Um último aspecto da questão da remuneração do funcionalismo público merece ser abordado. No livre mercado, duas forças determinamos salários: as leis de oferta e demanda e o valor do trabalho realizado. Ninguém em sã consciência bate à porta do chefe para pedir um aumento que tornará seu custo para empresa maior do que o incremento de receita causado por sua atividade, pois nenhuma empresa pode operar no prejuízo indeterminadamente sem falir.Assim,existe uma barreira para o salário de qualquer funcionário privado, que é o valor agregado pelos serviços que presta. Mesmo um movimento de cartelização, como a formação de sindicatos com objetivos de negociação coletiva, não pode mudar essa lei econômica, pode apenas agir sobre a oferta e a demanda. Ora, a negociação de salários de funcionários públicos é descolada de ambas as forças e, por isso, é mais ou menos como jogar pôquer a postando grãos de feijão sem valor algum. Totalmente irracional.
Primeiro, não há como determinar valor agregado ao governo, já que ele não objetiva o lucro. Isso vale para qualquer entidade sem fins lucrativos, como condomínios. Mas, diferentemente de entidades privadas, o governo não tem como comparar no mercado os salários pagos a seus funcionários, afinal, ele mesmos e outorga monopólios em praticamente todas as áreas em que atua. Segundo, as leis de oferta e demanda simplesmente não funcionam quando é impossível demitir ou reduzir salários, sendo as contratações vitalícias.
Inescapavelmente se conclui que, com as leis que temos, e das quais não nos podemos livrar, dados os incentivos do sistema democrático, cada vez mais os servidores públicos serão uma casta de privilegiados a consumir o dinheiro subtraído à força dos demais cidadãos. A única saída para salvar parte de nosso suado dinheiro é diminuir significativamente o quadro de servidores, transferindo para a iniciativa privada, ainda que via terceirizações, boa parte das atividades hoje executadas diretamente pelo Estado.
Entrevista:O Estado inteligente
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