- O Estado de S.Paulo
Há alguns dias, os grandes países ocidentais declararam que a decisão de entrar em guerra com o ditador Muamar Kadafi, na Líbia, jamais teve como objetivo tomar posse das gigantescas reservas de petróleo do país (entre 40 bilhões e 45 bilhões de barris). Um discurso agradável de ouvir. Enfim, o Ocidente trava uma guerra na África que não é motivada por cobiças econômicas. O que nos afasta das incursões coloniais da França e da Grã-Bretanha, no século 19, e das rocambolescas guerras de George W. Bush no Iraque e no Afeganistão.
No caso da Líbia, dois países têm se manifestado em alto e bom som: Itália e França. Isso por razões geográficas e históricas. A Itália, antiga potência colonial da Líbia, mantinha vínculos sólidos com Kadafi. E a França, porque Sarkozy foi durante muito tempo amigo íntimo e fervoroso do ditador líbio, antes de se tornar, como nas últimas semanas, seu mais feroz inimigo.
Portanto, é uma satisfação saber que a guerra na Líbia foi desinteressada, humanitária e moral. Mas o problema é que temos dúvidas. Por exemplo, quando ouvimos o chanceler italiano, Franco Frattini, declarar que "não haverá uma batalha no estilo colonial entre Itália e França pelas riquezas da Líbia", assegurando que "Roma permanecerá um parceiro privilegiado da Líbia", mas que ninguém deve se meter em uma área de influência italiana.
As declarações de Frattini são importantes. De um lado, ele deixou muito claro que a Itália pretende manter seu espaço exclusivo na Líbia, agora com os democratas, como ontem manteve com Kadafi. Em segundo lugar, o chanceler afirmou que a França, contrariamente ao que diz Sarkozy, já iniciou manobras para receber sua recompensa, em particular na área do petróleo. A sensação é a de que recuamos dois séculos, quando a Grã-Bretanha entrava em disputa com a França pela África Oriental, o Egito, ou o que restara do Império Otomano, com um cinismo absoluto tanto do lado francês quanto do britânico.
E não é só o petróleo: todos os poderosos empresários franceses, os ricos amigos de Sarkozy, em primeiro lugar, como Vincent Bolloré (que deverá obter a administração do Porto de Misrata), já estão na linha de partida. Poderíamos falar de uma corrida de 100 metros: é preciso evitar uma saída em falso. Vigiar o concorrente ao lado. Quando for dado o tiro de partida, será uma arrancada tumultuada.
O grupo francês de trabalhos públicos tem um grande apetite. Sonha com a reconstrução da torre de controle do aeroporto de Trípoli, destruído no início da guerra pelos aviões da Otan. A Airbus também já faz seus cálculos: o Norte da África democrático necessitará de 175 novos aparelhos. E viva a democracia e o petróleo!
Ontem, o Conselho Nacional de Transição (CNT) negou a notícia de que teria prometido à França 35% do petróleo líbio, como recompensa por sua gestão para levar a Otan à guerra. Ocorre que o mesmo CNT havia assegurado que as concessões no setor petrolífero seriam outorgadas em função da participação de cada país na libertação da Líbia. E, desse ponto de vista, é preciso reconhecer que a França, bem conduzida por Sarkozy, teve um papel importante.
O desinteresse das grandes potências, portanto, é mais virtual do que real. O que não impede que aqueles que puseram fim à sórdida ditadura também agiram para proteger os democratas líbios contra um massacre programado e para arrancar todo um povo das garras sanguinárias de Kadafi. A feliz coincidência é que não é todo o dia, na diplomacia, que conciliamos dois conceitos incompatíveis: moralidade e imoralidade. Isso é raro. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É CORRESPONDENTE EM PARIS
ESCLARECIMENTO
No meu artigo sobre a Líbia e a Argélia publicado na quarta-feira, disse que o presidente argelino era Houari Boumédiène. Tratou-se, evidentemente, de um lapso. Boumédiène foi presidente entre 1965 e 1978. Esse cargo é atualmente ocupado por Abdelaziz Bouteflika - que inicialmente era um protegido de Boumédiène, depois o traiu e, em 1999, foi eleito presidente da república argelina. Um lapso tão grosseiro é imperdoável. Eu mesmo não me perdoo por isso. Tampouco deixo de apresentar aos leitores do Estado meu lamento e minhas desculpas, com um pouco de vergonha. Obrigado, Gilles Lapouge.
Entrevista:O Estado inteligente
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