FOLHA DE SP - 23/09/11
Real se desvaloriza, mundo rico cresce cada vez menos, desemprego é muito baixo no Brasil; mas isso é bom?
O GOVERNO queria desvalorizar o real. Por vias tortas e diretas, o preço do dólar sobe, como queriam os economistas de Dilma Rousseff, talvez não os do Banco Central.
O Banco Central decidiu pautar seu comportamento em parte pela estimativa de que as economias do mundo rico iriam para o vinagre. Os juros poderiam cair por aqui porque o Brasil também seria afetado pelo definhamento econômico mundial. Está dando tudo certo, então? De Mickey, como aprendiz de feiticeiro da Disney, à Sibila de Cumas da mitologia clássica, são um lugar comum as histórias de arrependimento diante de pedidos e desejos que se realizam (a Sibila ganhou de Apolo os mil anos de vida que queria, mas esqueceu de pedir a juventude ao deus).
O governo tanto buliu com o mercado de câmbio que este, no caldo da crise da dívida e das incompetências europeias, fez o dólar ferver.
O governo desejava um real mais desvalorizado, de modo a proteger as empresas das desvalorizações e da concorrência mundiais. Levou. Mas o governo esqueceu de anexar uns itens ao seu pedido. Primeiro, que o dólar mais alto não dê novo impulso à inflação. Segundo, que neste mundo em crise as empresas brasileiras tenham mercado -de que adianta preço bom se não há clientes? Terceiro, que a dívida das empresas em dólar desaparecesse em caso de desvalorização -o balanço delas vai piorar bem com o dólar mais caro, vamos ver agora. O governo pode ficar feliz com a possibilidade de que a dívida pública líquida caia. Como o país tem uns US$ 350 bilhões em reservas, a desvalorização do dólar eleva nossos haveres em reais. Isso dá um desconto na dívida total: a dívida líquida cai. Por um tempo, ao menos.
Mas o governo tem ainda outros desejos. O de fazer com que a economia cresça pelo menos 4% ao ano. Pode até conseguir. É bom? O desemprego está na mínima histórica. Daqui para o ano que vem, o governo promete injetar mais dinheiro na economia, prevendo alegremente, agora, até aumento de gastos com contratação de funcionários. Ainda mais dinheiro, note-se, que o já previsto com salário mínimo, programas sociais e reduções de tributos para empresas.
Os bancos estatais, de resto, dizem estar animados com a ideia de aumentar o volume de empréstimos. Digamos que o colapso europeu continue a se dar em câmara lenta, que a inépcia do governo da União Europeia não acabe por provocar a quebra de bancos. Pode ser que então até cresçamos uns 4%.
Que bicho vai dar?
Teremos uma economia com a indústria ainda bem mal das pernas, com ou sem dólar na faixa dita adequada. Além do mais, pergunte-se: quão adequada? Com a inflação insistentemente alta, o câmbio real não vai mudar tanto -os custos domésticos continuarão crescendo. Teremos uma economia inflacionada num mundo à beira da recessão. Teremos ainda deficit público na faixa de 2,5% do PIB, mesmo após anos de crescimento razoável da economia e crescimento extraordinário da receita tributária. Essa é uma boa dieta para colocar o país em forma de modo a enfrentar a maratona de crises e colapsos financeiros que virão no mundo rico? Com esse regime de engorda forçada, vamos conseguir derrubar os juros para níveis civilizados?
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