Não era a alta do dólar que tanta gente pedia? Era sim: os ministros da Fazenda, do Desenvolvimento, as entidades empresariais, os exportadores, os produtores locais. Todos diziam que o dólar baixo demais causava distorções, desindustrialização e déficit em transações correntes. Mas a alta brusca causa distúrbios e ontem o BC teve que entrar no mercado para derrubar o câmbio que bateu no pico em R$1,96 e fechou em R$1,89.
O impacto da alta do dólar acontece em cadeia. Sobe o preço dos importados e dos produtos feitos no Brasil que têm grande quantidade de materiais, componentes e insumos importados. Matérias-primas como metais, petróleo e alimentos sobem porque são cotadas em dólar, seja quando o Brasil é o importador, como trigo, seja quando é exportador, como soja e café. As cotações das commodities caíram 10,5% nos últimos dias, mas a queda do real foi de 19,7%. A alta do petróleo em reais afeta uma sucessão de produtos como detergentes, embalagens, passagens aéreas.
A Petrobras há muito tempo não corrige o preço da gasolina que fornece às distribuidoras, mas sobe os preços dos outros derivados como óleo combustível, querosene de aviação, nafta. Quando o dólar estava caindo, a Petrobras subia o preço dos derivados, mas descontava a queda do dólar. Agora com a alta da moeda americana haverá uma onda de elevação dos preços de derivados, apesar de o petróleo ter caído no mercado externo. A queda do barril foi menor do que a alta do dólar até agora. Ficará mais caro para a Petrobras continuar adiando a correção dos preços da gasolina e óleo diesel. Pelos cálculos do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), se o dólar se estabilizar em R$1,78 a defasagem do preço da gasolina será de 19,2% e do diesel, 18,6%, em relação aos preços internacionais.
Os preços cobrados pela Itaipu de seus clientes são corrigidos pelo dólar. A moeda americana mais cara afeta os custos industriais e as contas residenciais em grande parte do Sudeste, que depende da energia da empresa binacional.
A dívida externa das empresas e do governo ficou bruscamente mais cara, mas como só será liquidada no vencimento o aumento atual é apenas contábil. O problema é que isso afetará os lucros das empresas que têm dívidas em dólar.
O Banco Central atuou preventivamente para evitar a repetição das posições alavancadas em moeda estrangeira, que quebraram algumas grandes empresas brasileiras quando houve a crise de 2008. Elas tiveram enormes prejuízos porque haviam apostado no mercado futuro que o dólar continuaria baixo e, com a quebra do Lehman Brothers, a moeda deu um salto. O custo das "chamadas de margem", isto é, pagamento antecipado de uma parte da garantia dos contratos, ficou muito alto. Elas tiveram que ser socorridas pelo BNDES. Não se espera que isso aconteça agora, porque o BC tem monitorado essas posições e limitado esse tipo de operação.
Quando a crise externa se agrava, há uma corrida natural para o dólar, mesmo quando o epicentro do terremoto é nos Estados Unidos, como foi em 2008. Neste momento, o medo é de que o muito provável calote da Grécia afete outros países. Ontem, o seguro para a dívida italiana subiu fortemente. Os bancos que têm muitos títulos das dívidas dos países mais encrencados da Europa estão com ações em queda e sendo rebaixados pelas agências de risco. Todos estes sinais são de que o mercado espera um agravamento da crise na Zona do Euro.
Num ambiente assim, o refúgio é o dólar. A situação se inverteu dramaticamente. A moeda que perdia valor em relação a todas as moedas do mundo agora se valoriza. Isso detona uma compra antecipada de quem tem obrigações em dólar, o que realimenta o processo.
A volatilidade do dólar afeta a economia mais do que a alta em si. Se houvesse uma desvalorização lenta do real, as empresas teriam tempo de contratar produtores locais, o que ajudaria a economia interna. Mas um salto de 20% em 15 dias pega empresas e pessoas no contrapé. Quem programou uma viagem no dólar a R$1,60, fez gastos no cartão de crédito nesse valor, está agora diante do fato de que sua viagem ficou subitamente mais cara do que o orçamento feito anteriormente. É o movimento brusco que prejudica.
O Banco Central está equipado para enfrentar a turbulência. Tem o cinto de segurança de US$150 bilhões a mais de reservas do que tinha na crise de 2008. Adotou nestes três anos medidas prudenciais para evitar o excesso de exposição ao câmbio. Mesmo assim, as empresas se endividaram em dólar porque a tentação de captar numa moeda que perdia valor em relação ao real a juros quase zero foi grande demais.
Para quem não é empresário, nem tem dívida em dólar, o problema será enfrentar a inflação que será impactada se a moeda americana ficar em patamar mais alto.