Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 24, 2011

Ambiente mutante MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 24/09/11

Não há ainda luz no fim do túnel na crise europeia e mundial. Ela é cada vez mais política. No Brasil, a crise chegou em forma de dólar mais alto este mês. Os líderes mundiais parecem fracos demais para comandar o processo. A fuga para o dólar é reflexo dessa incerteza. O BC tem munição, mas tomou uma decisão que ajuda a elevar a moeda americana.

A economista Monica de Bolle acha que os mercados estão concluindo que é cada vez mais difícil qualquer tipo de articulação nos EUA e na Europa para adotar as medidas que precisam ser tomadas. Se fosse apenas uma crise econômica, já seria difícil, mas os instrumentos para combatê-la seriam utilizados. O problema é que há incapacidade política.

"No Brasil, os improvisos foram péssimos. O aumento do IPI de automóveis mostra que haverá cada mais interferência no setor privado. O aumento do IOF sobre derivativos travou esse mercado. Os investidores saíram porque a incerteza regulatória passou a ser muito grande. As apostas na valorização do real foram inibidas e o mercado perdeu liquidez. Quem saiu não quis voltar."

O aumento de IOF será uma trava para o dólar voltar a cair. Era o que o governo queria, em um outro contexto. A melhor forma de paralisar um mercado é provocar aumento de incerteza regulatória. A trava também diminuiu posições de hedge (proteção) que empresas e investidores faziam para evitar problemas com uma disparada do dólar. Muitas podem ter aumento de custo com a alta inesperada.

O câmbio subiu 20%. Caiu ontem, mas dificilmente voltará ao patamar anterior. O que terá que ser monitorado é o impacto na inflação. O Banco Central e o Ministério da Fazenda apostaram que o repasse será pequeno e disseram que a queda das commodities vai conter a inflação. Isso não está acontecendo.

Na verdade, houve aumento de preços em reais porque nossa moeda se desvalorizou mais. A economia também está aquecida e há problemas de safra em commodities importantes, como o trigo. Na Europa, a estratégia continua sendo empurrar o problema com a barriga e ganhar tempo para proteger os bancos da Zona do Euro. Mas eles estão com queda de 40% nas ações este ano. Cada vez mais, a crise fiscal está se transformando em nova crise financeira. O mercado fica esperando os anúncios de cada dia, como declarações do G-20, decisões do Parlamento Alemão, reuniões do FMI e Banco Mundial.

A equipe da MCM Consultores comparou o desempenho do real com o de outras 10 moedas de países exportadores de commodities. Até a decisão do Copom, o real tinha desempenho igual. Depois disso, se desvalorizou 6% a mais.

"O principal fator para a desvalorização foi a mudança de percepção sobre a política monetária no Brasil. O Banco Central fez uma aposta e mesmo que acerte a perda de confiança está feita porque investidores não gostam de bancos centrais que fazem apostas", diz José Júlio Senna, da MCM. A desvalorização do real já está mexendo com a inflação implícita de contratos que estão sendo negociados, ou seja, está batendo nas expectativas. Produtos importados ficarão mais caros.

A depreciação do real tem componente externo. O euro, que era a moeda que competia com o dólar, está sob ameaça. Quem vende euro compra dólar. E isso acontece com todos os ativos se o risco aumenta.

O Financial Times revelou que líderes do partido republicano entregaram uma carta a Ben Bernanke durante a reunião do Fed. Houve interferência política poucas vezes vista na história daquele país. Isso mostra a pressão sob a qual se encontra o presidente do BC americano. Mesmo que ele não tenha levado em consideração o teor da carta - que não queria novo relaxamento monetário, o QE3 - o fato é que não adotou a medida.

O ambiente está fluido, mutante. Durante muito tempo será assim. O Brasil precisa manter as boas rotas e corrigir posições, quando for o caso.

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