Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 30, 2011

Equação incompleta - Míriam Leitão



O Globo - 30/09/2011
 

O Banco Central acha que mesmo numa situação em que os juros permaneçam em 12%, e o dólar fique em R$1,65, a inflação chegará ao final do ano em 6,4%. Ainda assim, diz que há 45% de risco de ultrapassar o teto da meta este ano, e só ao final do segundo trimestre de 2013 é que a inflação estará no centro de 4,5%. Apesar de tudo isso, os juros vão continuar caindo.
O Relatório de Inflação já nasceu velho. Apesar de ter sido divulgado ontem, ele foi datado em 9 de setembro e, portanto, não incorpora a mudança de trajetória e patamar do câmbio. O dólar está negociado a R$1,84 mas chegou a R$1,95 este mês. As contas do BC foram feitas para um câmbio de R$1,65.
Entre o último relatório e este, o BC aumentou a projeção de inflação, que estava em 5,8%, e reduziu a previsão de crescimento de 4% para 3,5%. No primeiro documento do ano, em março, estava em 4,5%.
Se a inflação subiu, e nem no final do ano que vem estará no centro da meta, por que foi mesmo que o BC baixou os juros? A resposta do relatório é que a situação internacional piorou muito e continuará se deteriorando, há riscos de recessão na Europa e nos Estados Unidos e isso poderá ter um impacto "deflacionista" nos preços internos. O BC diz isso, mas ele mesmo admite que a parte boa do cenário ruim - que é a queda de preços - pode não acontecer por dois motivos: impactos climáticos em algumas safras dos produtos agrícolas, e especulação no mercado de commodities, alimentada por novas rodadas de relaxamento monetário nos países em crise.
A conclusão que se tira do relatório, na opinião de Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, é que o documento do Banco Central é exato no diagnóstico, mas o texto não ajuda a entender a decisão tomada pela autoridade monetária:
- Os riscos inflacionários estão todos lá muito bem descritos. O impacto do clima nas commodities, o efeito da expansão monetária adicional, os aumentos salariais reais, a indexação, as expectativas e o salário mínimo. O diagnóstico está correto, mas ele se descolou da decisão tomada. Há hoje uma divergência nas projeções do mercado e do Banco Central.
O mercado aposta que os juros vão cair não porque acha que o cenário de queda da inflação vai acontecer, mas porque se convenceu que o BC aceitou mais inflação para manter algum crescimento. Isso quer dizer que certamente as projeções de inflação continuarão subindo nas próximas semanas. O Banco Itaú projeta quatro cortes na Selic de meio ponto percentual. É a mesma estimativa do banco HSBC. O Bradesco prevê três cortes de meio ponto, mas diz que a queda pode continuar caso o cenário internacional piore. O que ficou afastada em várias análises foi a idea de que o BC vai acelerar o ritmo de corte, por causa do termo "ajustes moderados", usado no trecho abaixo do RI:
"O Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, ajustes moderados no nível da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012."
O BC acha que neste trimestre se encerra o ciclo de elevação da inflação acumulada em 12 meses. A taxa deve mesmo ceder um pouco a partir de outubro, depois de fechar setembro em 7,3%. Mas com a nova variável cambial é possível que a queda seja menor do que a esperada e ficou muito mais provável que o país estoure o teto da meta em 2011. E isso apesar de manobras como a redução da Cide, para evitar o aumento da gasolina, e do adiamento do imposto sobre cigarros.
A principal ausência no texto é uma análise mais profunda sobre os impactos da desvalorização do real na inflação. Depois de bater em R$1,95, o dólar recuou e ontem estava cotado em R$1,84. Ainda assim, sobe este mês 15%. A moeda americana subiu de elevador e está descendo de escada, em grande parte pelas medidas adotadas pela Fazenda de taxar as operações de câmbio no mercado de derivativos. A piora da crise derrubou os preços das commodities internacionais, mas a desvalorização do real foi mais intensa, e isso fez os produtos agrícolas ficarem mais caros no Brasil. Até mesmo economistas que apostavam numa queda mais brusca do dólar agora já acham que a moeda pode ficar estacionada no patamar de R$1,80 e assim bater na inflação.
"A realidade é que os preços que forem reajustados pela alta do dólar, após o recuo do seu preço não são reajustados para baixo, consolidando dessa forma a pressão sobre a inflação", disse Sidnei Nehme, da NGO corretora de câmbio.
O Banco Central tem razão em ver "nível de incerteza crescente muito acima do usual" no cenário internacional, mas não faz sentido que veja "riscos decrescentes" ou aumento dos "sinais favoráveis" para a inflação. É um "non sequitur". Se o risco é maior, e se apesar da queda do crescimento outras variáveis podem manter as commodities altas, como é que a conclusão é que a situação ficou mais favorável? Além disso, se o BC está cortando juros para impedir uma desaceleração da economia brasileira, como a demanda interna ficará mais fraca? O que fecha a equação incompleta do Banco Central é a declaração do presidente Alexandre Tombini de que ele está em perfeita sintonia com "colegas como o Guido". Sintonia entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central é desejável, desde que não seja com o BC flexibilizando o cumprimento do seu mandato, que é o de levar a inflação para o centro da meta. É isso que se espera que o BC faça no regime de metas.

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