A presidente Dilma Rousseff recebeu o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos para um almoço no Palácio da Alvorada no dia 31 de agosto passado. Amigos desde o governo Lula, do qual foram expoentes de primeira grandeza, eles conversaram sobre a sucessão da ministra Ellen Gracie. recém-aposentada do Supremo Tribunal Federal (STF). O tema sempre fez parte da rotina de Thomaz Bastos quando ele despachava no Palácio da Justiça, entre janeiro de 2003 e março de 2007, e comandava o processo de escolha dos integrantes dos tribunais superiores. Continuou a fazer mesmo quando ele trocou a administração pública pela iniciativa privada. Com sua reconhecida biografia, nada aparentemente mais natural do que o ex-ministro continuará a servir como conselheiro presidencial. As circunstâncias, porém, às vezes demonstram que não é tão definida assim a fronteira que separa o legal do moralmente aceitável. Na conversa com Dilma, Bastos indicou dois nomes para a vaga no STE.
O escolhido pela presidente completará o plenário da Corte, que se prepara para julgar o mais importante caso de sua história: o processo do mensalão. A decisão do STF, seja qual for, vai impor ao episódio uma chancela histórica e política duradoura. A sentença final dos ministros do STF terá seu lugar marcado na história por estabelecer oficialmente o grau de ofensa dos amores do mensalão. Eles podem até ser presos e banidos da vida pública ou, se absolvidos ou punidos com leveza, vender-se ao grande público como vítimas de uma grande conspiração de forças políticas adversárias.
Thomaz Bastos vem assessorando Dilma na definição do substituto de Ellen Gracie. Toma parte de uma decisão que, em última instância. pode beneficiar seus clientes privados e companheiros políticos. Desde julho, o ex-ministro é formalmente advogado do diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, um dos 36 réus do mensa\ão. Não é a única ligação dele com o processo. Thomaz Bastos também é testemunha de defesa do petista José Dirceu, acusado pelo Ministério Público Federal de comandar a "sofisticada organização criminosa" que comprava apoio parlamentar para o governo Lula. Como ministro da Justiça, ele tinha acesso a informações privilegiadas sobre o caso. Além disso, é dele a linha mestra da defesa dos mensaleiros, segundo a qual o mensalão não passou de um caso corriqueiro de uso de recursos "não contabilizados", no imortal eufemismo criado por Lula. A vingar essa tese, os envolvidos vão pegar penas brandas, escapando da condenação severa pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção - as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República.
Márcio Thomaz Bastos, ou MTB; como preferem os antigos, participou da escolha de pelo menos seis ministros do STF que julgarão o mensalão, definiu a estratégia de defesa dos acusados e agora, como advogado do caso, continua a influir na composição da corte constitucional. "Fiquei surpreso. Primeiro, porque ele é uma das testemunhas do mensalão, mas, mais do que isso, ele comandou a Polícia Federal durante as investigações e participou ativamente da condução da crise que o mensalão suscitou. É muito estranho que ele tenha entrado no processo agora, aos 46 mínimos do segundo tempo", diz, na condição do anonimato, um respeitado ministro do Supremo. "Isso é muito ruim para a biografia dele." MTB tornou-se, ao lado do ex-presidente Lula e do deputado cassado José Dirceu, parte de um alto comando político-jurídico-partidário que tem como objetivo impedir a condenação dos mensaleiros pelos crimes mais pesados de que são acusados. Isso é vital para a sobrevivência do lulopetismo como força hegemônica na política nacional.
No PT, dá-se como certo que o ministro Joaquim Barbosa, o relator do processo, votará pela condenação de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Garantir que o ministro novato, regimentalmente o primeiro a votar depois do relator, conteste Barbosa teria uma função estratégica no decorrer do julgamento. A estratégia tem a ousadia de um salto mortal sobre o abismo, mas o desespero dos über-petistas com a real possibilidade da condenação de seus pares é tão grande e a falta de alternativas tão evidentes que eles puseram o plano mirabolante para andar.
MTB relativizou sua atuação na escolha do novo ministro do STF. Ele que no almoço com Dilma a questão da substituição de Ellen Gracie no STF foi mencionada de passagem, apenas confirmar a decisão de que a vaga será preenchida por uma mulher. MTB admite que já se encontrou "casualmente" com candidatas ao posto, entre elas a ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar, e Eunice Carvalhido, chefe do Ministério Público do Distrito Federal. O ex-ministro também trabalhou nos bastidores da nomeação da ministra Maria Thereza Moura, do Superior Tribunal de Justiça. MTB afirma não se sentir constrangido com o fato ter comandado a PF durante a investigação do mensalão, participado da escolha ministros que julgarão o caso, traçado a linha de defesa de parte dos réus e , representar um deles formalmente. "A melhor maneira de o indicado mostrar gratidão a quem o indicou é, como dissea ministra Ellen Gracie, julgar com isenção. Temos muito orgulho do tratamento republicano que demos às nomeações". O filósofo Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, discorda de MTB. É absolutamente imprudente ele agir como coordenador do estado para a investigação e como defensor dos acusados. O problema não é de legalidade, mas, funcionamento adequado das instituições". Romano está coberto de razão.