Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 13, 2011

Sorria. A senhora está sendo filmada Roberto Pompeu de Toledo

Veja - 13/06/2011
 

 

Está faltando alegria na vida da presidente Dilma. Está faltando sorriso. Não se pode exigir alegria, claro, de quem passou por uma crise como a das últimas três semanas. Mas a questão não é de hoje. Desde o início do mandato temos uma presidente reclusa e calada. A princípio foi um alívio. O antecessor expunha-se e falava além da conta. Com o tempo, a reclusão e o silêncio se acentuaram. Em parte, sem dúvida, a questão é de temperamento. Em outra parte, pode expressar o natural trem de vida de alguém que, descasada há muito tempo, se habituou à solidão, e talvez mesmo encontre prazer nela. A1é aí, ninguém tem nada com isso. O caso se politiza, e passa a ter interesse público, se a esses fatores somar-se um certo desgosto por ocupar o posto que ocupa. O cenho fechado, a expressão preocupada, em suas raras aparições, fazem suspeitar que Dilma não esteja feliz na Presidência.

 

"Dilma pode não se sentir plenamente na pele de presidente porque outros disputam a mesma pele. Um dos que o fazem já se sabe quem é. O antecessor. O outro é mais inesperado".

 

Pode ser falta de costume da nossa parte. Os dois últimos ocupantes do cargo mostravam-se felizes, até escandalosamente felizes, na peje de presidente. A exuberância do presidente Lula na fruição da condição em que estava constituído está fresca na memória. O presidente Fernando Henrique Cardoso também gostava, e como gostava, da condição presidencial, embora o expressasse de modo mais sóbrio. Os dois tinham em comum o fato de terem cobiçado o cargo por décadas, e o terem atingido pelos próprios méritos, reunidos seus perfis e suas bagagens a cerras circunstâncias favoráveis. Dilma, como se sabe, trilhou caminho diverso. Só começou a imaginar-se presidente pouco mais de dois anos antes de a imaginação tomar-se realidade. E só se imaginou como tal depois de ter sido imaginada por outrem. Eis um fator que talvez constranja, e não permita o pleno desfrute da posição em que se encontra.

 

Há outro, e mais inquietante, problema. Dilma pode não se sentir plenamente na pele de presidente porque outros disputam a mesma pele. Um dos que o fazem já se sabe quem é. O antecessor. Na crise do ministro Palocci, ele operou tanto às claras quanto às escondidas, como se ainda lhe coubesse fazê-lo, ou como se faltasse à sucessora capacidade para tal. Esse estorvo já se sabia desde sempre que esperava Dilma na primeira esquina. O outro candidato a aconchegar-se à pele presidencial é mais inesperado. Abrem-se as cortinas, e entra em cena Sua Excelência Reverendíssima o vice-presidente Michel Temer. Para surpresa geral, o PMDB, notório pela desunião, conheceu o milagre da união, tão logo raiou a era Dilma. Hoje essa união se expressa e toma corpo na figura do vice.

 

Michel Temer apresenta-se cada vez mais des...Não, "desenvolto" não seria a palavra. Não combina com sua expressão corporal. Temer é homem de gestos pausados e passos medidos. As mãos ora se esfregam uma à outra, ora se cruzam, ora marcam encontro, as -pontas dos dedos de uma nas -pontas dos dedos da outra. O ritmo é estudado. Cada pequeno movimento se reveste de eclesiástica solenidade - daí o tratamento de "Sua Excelência Reverendíssima" que fez por merecer no parágrafo anterior. Se desenvolto não é a palavra, seria...com perdão da verdadeira ocupante do cargo "presidencial". Presidencialmente, Temer reúne no Palácio do Jaburu a cone de homens de cabelos pintados ou traanplantados em que consiste a fina flor do PMDB. Presidencialmente, vai ao encontro da presidente Dilma como quem vai a uma conferência de cúpula, potência contra potência. Ao contrário de mansos aliados, como foram os vices José Alencar, para Lula, e Marco Maciel, para FHC, Sua Excelência Reverendíssima lidera uma facção rival.

 

Semelhante situação decorre de um desentendimento grave, que queiram os céus não venha a se revelar fatal, quanto à natureza da coligação entre PT e PMDB. O PT entende que ao PMDB devem caber alguns ministérios em troca de votar com o governo no Congresso. Já o PMDB se pretende sócio do poder, ao mesmo título que o PT. Nesse atrito, Dilma é criticada pelas virtudes - como a de resistir à ganância por cargos e verbas - e engambelada por eufemismos como "articulação política", apelido do balcão de negócios em que se desferirão as facadas. Haja estômago para digerir tal gororoba. Para o da presidente, visivelmente, está difícil. Nunca é bom ter alguém infeliz, não importa em que cargo. Pior se for na Presidência. Disfarce, presidente. Soma. As condições são adversas, mas, se acharem que a senhora está satisfeita, muito à vontade e dona de si, avançarão com mais cuidado.

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