Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 13, 2011

A ascensão da China Maílson da Nóbrega


Veja - 13/06/2011
 

 

 A China é o maior fenômeno econômico da história. Nenhum outro país cresceu por trinta anos seguidos (1980-2010), à taxa média de 12% ao ano. Em 2010, ela se tornou a segunda maior economia do mundo. Ainda nesta década poderá ser a primeira.

 

Por aqui, esse êxito é explicado por teses simplistas. Decorreria de taxas de câmbio valorizadas, de políticas industriais ou da ação de empresas estatais. Na verdade, o sucesso chinês tem raízes mais amplas, profundas e provavelmente duradouras.

 

A China despertou de um longo declínio, que começou por volta do século XV, quando Portugal e Espanha se lançavam na aventura ultramarina. N época, ela representava cerca da metade da economia mundial. Em 1800, em plena Revolução Industrial inglesa, a China ainda respondia por 33% da produção mundial de manufaturados (28% na Europa e apenas 0,8% nos Estados Unidos).

 

A China evoluiu da tribo para o estado organizado muito antes do Ocidente. Francis Fukuyama diz que o estado chinês foi fundado por Ying Zheng (259-210 a.C.). Possuía um exército que fazia cumprir a lei e uma burocracia profissional que arrecadava tributos. Pesos e medidas uniformes eram obrigatórios. O setor público construía a infraestrutura de estradas, canais e sistemas de irrigação.

 

Nos séculos XIX e XX, a China foi ocupada por potências estrangeiras. No período comunista, a expansão da educação se interrompeu e muitas universidades foram fechadas. Políticas desastradas de Mao, como a de produzir aço a qualquer custo, e a insana Revolução Cultural aceleraram o declínio.

 

A reversão começou em 1978 com Deng Xiaoping, que restabeleceu a prioridade à educação, acolheu o investimento estrangeiro, privatizou empresas estatais e permitiu ampla participação do setor privado na economia. No ensino superior, foram adotados os modelos britânico e americano.

 

A partir de 1997, o ensino experimentou forte internacionalização. Em 2007, o relacionamento educacional alcançava 188 países e regiões. Em 2008, 180 000 chineses estudavam fora (39 000 em 2000). No período, 420 000 frequentaram cursos superiores no exterior. As reformas econômicas aumentaram o retorno propiciado pela educação.

 

A educação é central no êxito da China. Três de suas universidades já estão entre as 100 melhores do mundo. O plano é incluir duas delas entre as vinte mais prestigiadas. Em 2010, alunos do ensino médio da província de Xangai obtiveram o primeiro lugar nas provas de leitura, matemática e ciência do Pisa.

 

A ciência e a tecnologia são parte do processo. Neste ano, a China investirá em pesquisa e desenvolvimento 154 bilhões de dólares. Ultrapassará o Japão (144 bilhões de dólares) e ficará atrás apenas dos Estados Unidos (405 bilhões de dólares). Em 2010, conforme mostrou Cláudio Frischtak, a China solicitou 12 300 patentes internacionais, 25 vezes mais do que o Brasil (era quatro vezes em 2000). Em 2008, enviou um astronauta ao espaço e planeja colocar outro na Lua em vime anos.

 

Na política externa, os diplomatas chineses concluíram que o país não podia (nem deveria) desafiar tão cedo a dominância global dos Estados Unidos. Ao contrário, a estratégia foi a de cooperação com os americanos, a melhor fonte de tecnologia, investimento e demanda por seus produtos. Buscava-se a "ascensão pacífica". Algo muito diferente do antiamericanismo da diplomacia petista.

 

A China escolheu o modelo de desenvolvimento fundado na exposição de suas empresas à competição internacional, que já havia dado certo no Japão, na Coreia do Sul e em Taiwan. Era o oposto da estratégia de economia fechada do Brasil. O comércio exterior saltou de 18,8% em 2000 para 56,7% do PIB em 2010 (23,1% no Brasil).

 

O êxito chinês combina múltiplos fatores: educação, ciência, tecnologia, economia aberta e orientada pelo mercado, elevados investimentos em infraestrutura, empreendedorismo e pragmatismo diplomático, para citar os mais relevantes.

 

Lula afirmou que o século XXI seria o do Brasil. Está mais para ser o da China, salvo os riscos de uma futura abertura democrática. O Brasil pode ganhar ou perder com a ascensão da China. Depende de como enfrentemos as deficiências da educação e retomemos as reformas, interrompidas nos últimos oito anos.

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