Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 13, 2011

Valores universais Merval Pereira

O GLOBO - 13/02/11

As revoluções ocorridas na Tunísia e no Egito, para o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, são a melhor ilustração de que os direitos humanos, tal como a democracia, são valores universais e, como tais, devem prevalecer nos países árabes.

“O que vimos os seus povos reclamar? Liberdade, direitos e democracia”, comemora, para ressaltar: “Quem pretendia que as divisões entre o Norte e o Sul do Mediterrâneo eram clivagens de civilização tem nesses exemplos amais bela demonstração de que assim não é”. Jorge Sampaio destaca que “não vimos coptas (egípcios cujos ancestrais abraçaram o cristianismo,um dos principais grupos etno-religiosos do país) contra muçulmanos, nem condenações de religião alguma. Não vimos guerras entre etnias, nem raças, nem culturas, nem religiões. Vimos apenas homens e mulheres reivindicando liberdade, dignidade, justiça e democracia”.Em definitivo, diz ele, estamos perante direitos universais, “mas a verdade é que não se trata de bens exportáveis, a sua realização não obedece a um formato único. Ignorá-lo e pretender impô-los é a melhor forma de aliená-los”.

Para ele, “independentemente do quadro jurídico por que se pautará esta fase de transição até às eleições, importa que a sociedade civil se organize, que o espaço político se estruture também, de forma a que se criem as condições de um regime democrático pluralista”. Jorge Sampaio acha que, embora as chamadas redes sociais tenham sido fundamentais para a mobilização, estas só funcionaram “porque o descontentamento era partilhado por largas franjas da população, que se uniu para defender o que entendeu ser essencial para o seu futuro e o do país”. O ex-presidente de Portugal acha difícil imaginar que grupos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana no Egito, não terão influência nas mudanças, mas diz que se deve, em primeiro lugar, “evitar o reflexo corrente da demonização”.

Importa também, ressalta, “evitar estereótipos que não traduzem devidamente a complexidade da realidade — éo caso da “Irmandade Muçulmana”, porque ninguém sabe bem a que corresponde hoje, como evoluiu nas últimas décadas e como se vai desenvolver agora num regime democrático”. Para Jorge Sampaio, o que importa é “ver como tal grupo se vai acomodar ao sistema partidário em que se baseia qualquer democracia pluralista”.



O mais importante, diz ele, “é criar condições de diálogo e concertação políticas que deverão prevalecer sobre a exclusão, que é sempre força de radicalização”. O Alto Representante daONU para a Aliança das Civilizações admite que haja o perigo de essas reivindicações desaguarem em governos radicais, como aconteceu no Irã depois da queda do Xá, “porque de momento a incerteza é grande e tudo permanece ainda em aberto. Mas não há nenhum determinismo, portanto cessemos de utilizar o medo como forma de condicionamento.

Cada país deve encontrar o seu caminho e a democracia não é de tamanho único”. Em vez de especularmos sobre os perigos, diz Jorge Sampaio, “importa cooperar com essas sociedades porque a democracia, o diálogo e o pluralismo também se aprendem. Importa utilizar todos os fóruns de cooperação — bilateral e multilateral — para fazer dessas revoluções democráticas um sucesso para os povos e a Humanidade”.

O ex-presidente de Portugal diz que essas sociedades “precisam de planos maciços de cooperação—não só econômica,mas também social e política, a nível governamental,mas também das sociedades civis — para que possam fazer a transição de uma forma pacífica e sustentada”. Ele acha que está em tempo de a União Europeia “realizar o sonho subjacente ao processo de Barcelona, mais tarde retomado pela União para o Mediterrâneo. A melhor forma de prevenir que essas reivindicações deságuem em governos radicais é fazer por eles o que a Europa e a perspectiva da integração europeia trouxe a Portugal e Espanha quando fizemos a nossa transição democrática”.

Sampaio comenta, a propósito da mudança de atuação dos Estados Unidos de Barack Obama na crise, que “em política externa é essencial não repetir erros. Tanto o Egito como os Estados Unidos são parceiros demasiado importantes, quer no plano das suas relações bilaterais quer no tabuleiro geopolítico-estratégico da região. A política da exclusão só ajuda o extremismo e a radicalização”. Por outro lado, diz ele, “está claro também que, para além do hardpower, é essencial investir em instrumentos de softpower e na capacitação acrescida das sociedades civis”.

Jorge Sampaio não tem dúvidas acerca da importância do acordo de paz entre o Egito e Israel ser crucial “não só para as duas partes, mas para toda a região e não só, pois é bem sabido que se existe alguma região globalizada é a do Médio Oriente”. Pela sua “excepcional e extrema importância”, ele acredita que o acordo fará parte “dos pilares da fase de transição, por um lado, e que, depois das eleições, a democracia egípcia o saberá preservar como pedra basilar da sua política externa”. Mas Sampaio acredita que este processo de democratização do Egito “é tão excepcional”, que qualquer democracia —em especial a israelense — “deveria também pesar o impacto de expressar a sua solidariedade para com o povo egípcio, com gestos de semelhante excepcionalidade”.

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Na abertura da coluna de ontem, ficou sobrando um “que” na primeira frase. A correta é: “O fato de, durante os vários dias que duraram as manifestações no Egito, até o fecho com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, não ter havido nem bandeias de outros países queimadas, nem slogans que não fossem relacionados com as reivindicações nacionais, é ‘inédito e muito significativo’ para Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e atual Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações”.

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