O GLOBO - 19/02/11
A "presidenta" assumiu e sumiu. Ninguém sente falta
Os brasileiros estão encantados com as manifestações de rua no Egito. Nem bem Dilma Rousseff assumiu a Presidência, Hosni Mubarak tomou conta das manchetes. Deve ser difícil viver num país cheio de pirâmides e problemas. Por aqui está tudo bem. A "presidenta" assumiu e sumiu. Ninguém sente falta. Dilma acionou o piloto automático e foi cuidar de suas pirâmides.
Uma das mais visíveis fica na Câmara dos Deputados, e não é obra de Niemeyer. Num impressionante trabalho de engenharia, a "presidenta" colocou no alto da comissão mais importante do Legislativo uma peça de colecionador. Importado diretamente do escândalo do mensalão, João Paulo Cunha será o presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Nada mais justo. A comissão que decide o que poderá ou não ser lei no país tinha mesmo que ficar nas mãos de um réu. É uma questão de notória especialização.
O PT também está muito interessado nas manifestações populares no Oriente Médio. Quanto mais o Brasil olha para lá, mais fácil fica a reabilitação de seus faraós por aqui. José Dirceu e Delúbio Soares já estão se aquecendo à beira do gramado. Erenice e sua pirâmide familiar terão que esperar um pouco mais. Mas o gerente da Caixa Econômica que violou o sigilo do caseiro já está na área: foi nomeado assessor do Gabinete Pessoal de Dilma Rousseff. Como se vê, os egípcios estão em maus lençóis.
A opinião pública está cada vez mais fascinada com tudo que Dilma não fala. Dizem que é o silêncio de quem trabalha. É verdade. A "presidenta" trabalhou como ninguém para manter o faraó do Maranhão na presidência do Senado. As sete vidas de José Sarney no poder têm hoje o PT como principal acionista. É um investimento plenamente justificável: um político que é flagrado fazendo tráfico de influência e se mantém intocável tem mesmo é que comandar o Poder Legislativo. De lei ele entende.
Na pirâmide de Sarney, além dos simpatizantes empregados no Senado, tem ministro de Estado. Seu afilhado mais célebre no momento é Edison Lobão, o explicador de apagões. Se o Brasil ficar às escuras de novo, ninguém precisa se preocupar, porque Lobão já tranquilizou todos: "O sistema é robusto." Para o sujeito que está preso no elevador, não pode haver alívio maior do que saber que o sistema é robusto.
Essa robustez teve grande impulso na gestão de Dilma como ministra de Minas e Energia. Como especialista em gestão, ela comprimiu as tarifas para o consumidor sentir toda a bondade do governo popular - seguindo a escola dos Kirchner, o casal que levou a economia argentina ao pântano. O setor elétrico buscou então a solução mais criativa contra a falência: parar de investir no sistema.
Isso não chega a ser um problema, quando se tem um ministro eloquente e bem apadrinhado como Lobão. Agora a conta da Light vai subir acima da meta de inflação, mas tudo bem, porque o sistema é robusto.
Sob um governo que trabalha em silêncio, a população pode dormir em paz. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por exemplo, anunciou na posse que vai espalhar UPPs "pelos quatro cantos do país". Não se sabe exatamente o que significa essa precisão científica toda, mas também não interessa. Depois que as tropas de elite passaram a vender as armas do tráfico para as facções rivais, o ministro não disse mais nada. Deve estar em algum dos outros três cantos do país, talvez pedindo conselhos ao Capitão Nascimento.
Mesmo com toda essa eficiência, silêncio tem limite. E Dilma resolveu falar. Convocou cadeia nacional de rádio e TV para um pronunciamento à nação. Devia ser algo muito importante, a ponto de levá-la a interromper sua rotina laboriosa. Quem sabe, era o momento de tirar o véu por sobre os grandes projetos que o Brasil resolveu imaginar estarem sendo geridos pelo novo governo. Mas não era bem isso.
Forjada na lábia populista de Lula, Dilma estava com saudades dos comícios - que, como se sabe, são a alma do negócio. Ela caprichou. O gancho era um programa de apoio ao ensino técnico, desses que se anuncia com um press-release do segundo escalão. Naturalmente, o tal programa tomou só alguns segundos do pronunciamento à nação. A grande mensagem da "presidenta", essencial e inadiável, era um paralelo conceitual entre educação e pobreza (a especialidade da casa).
O Brasil foi convocado a ver e ouvir Dilma Rousseff explicar que o país tem agora que enfrentar a "fome do saber".
Não se sabe o que seria desta pobre nação sem os slogans do PT. Depois dessa emocionante ordem unida em cadeia nacional, teremos certamente um sistema educacional robusto. E tecnologias como a do Enem e do Sisu serão espalhadas pelos quatro cantos do país.
Quem depois disso continuar com fome de saber que vá se alimentar do noticiário sobre o Egito. Por aqui, estamos de barriga cheia.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2011
(2527)
-
▼
fevereiro
(234)
- Roberto Abdenur-Novas realidades em questão
- Arábia Saudita Luiz Felipe Lampreia
- Moacir Scliar: Legado imortal Larissa Roso
- Paulo Brossard E ainda se duvida de milagre
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Casa do Sader
- CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA
- LYA LUFT Como seremos amanhã?
- BETTY MILAN O desafio da fidelidade
- J. R. GUZZO Dois Países
- ENTRADA PROIBIDA - VEJA
- Abram Szajman Tira o olho, ministro
- Carlos Alberto Sardenberg O que são quatro anos se...
- Denis Lerrer Rosenfiel Luz própria
- Cavalo de Troia - Jorge Darze
- NORMAN GALL Tecnologia e logística em águas profundas
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Entrevista de Sua Excelência
- FERREIRA GULLAR - O povo desorganizado
- DANUZA LEÃO - Tropa de elite
- VINICIUS TORRES FREIRE - Nos trilhos do bonde do K...
- Merval Pereira O novo Iuperj
- Dora Kramer Informar é preciso
- Sergio Fausto Escolhas fundamentais
- Alberto Dines No levante tudo é possível
- Suely Caldas Os pobres e os ricos do Nordeste
- CELSO MING - Troca tributária
- GAUDÊNCIO TORQUATO - Distritinho e distritão
- Cacá Diegues - Uma revolução pós-industrial
- ENTREVISTA - JOÃO UBALDO RIBEIRO
- HÉLIO SCHWARTSMAN Metáforas de crimes influenciam ...
- CESAR MAIA - Poderes e democracia
- FERNANDO RODRIGUES - A banda estreita de Dilma
- FERNANDO DE BARROS E SILVA - Demagogia (des)contin...
- Merval Pereira A busca do acordo
- Marco Aurélio Nogueira A Itália de Berlusconi entr...
- Os outonos - Míriam Leitão
- Itamar Franco:'Violou-se a Constituição e o Senado...
- Roberto Freire A reforma e Jabuticaba
- JOÃO MELLÃO NETO O ocaso das certezas
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS O medo está de volta
- VINICIUS TORRES FREIRE O governo está incomodado
- MERVAL PEREIRA Tema popular
- Dora Kramer -Insuficiência de tutano
- Celso Ming -Carregamento caro
- Nelson Motta Os eleitos dos eleitos
- VINICIUS TORRES FREIRE Petróleo em revolta e o Brasil
- Míriam Leitão No rastro da crise
- Merval Pereira Roteiro amplo
- Alberto Tamer Petróleo: dá para absorver alta
- Dora Kramer Falso parâmetro
- Celso Ming Cresce o rombo externo
- Eugênio Bucci Meu corpo, meu oponente
- Carlos Alberto Sardenberg Assalto "por dentro"
- Paulo R. Haddad A Fiat vai ao Nordeste
- MÍRIAM LEITÃO Nada é impensável
- MERVAL PEREIRA O difícil equilíbrio
- VINICIUS TORRES FREIRE Mais ruídos na economia de ...
- ROBERTO DaMATTA A morte e a morte anunciada de um ...
- FERNANDO RODRIGUES Gaddafi, Lula e o Brasil
- ANTONIO DELFIM NETTO Mandelbrot
- Dora Kramer Para o que der e vier
- Celso Ming A inflação assusta
- Sergio Telles Tunísia, modernidade islâmica
- Helder Queiroz Pinto Jr.O que esperar dos preços i...
- Jorge Darze Não faltam médico
- Claudio Sales Itaipu: conta extra de R$ 5 bi para...
- Eduardo Graeff Contra o voto em lista
- ANTONIO DELFIM NETTO O fundamento fiscal
- MÍRIAM LEITÃO Crise da Líbia
- REGINA ALVAREZ Petrobras na mira do MP
- MERVAL PEREIRA Jabuticaba mista
- Dora Kramer Mudar para conservar
- Celso Ming Até a próxima crise
- Se todos são keynesianos, o que Keynes diria a Dilma?
- Rodrigo Constantino Onde estão as reformas?
- Rubens Barbosa Defesa e política externa
- FHC:‘O PODER REVELA MUITO MAIS DO QUE CRIA OU DEFO...
- José Serra ‘O falso rigor esconde falta de rigor’
- Luiz Werneck ViannaMares nunca dantes navegados
- AMIR KHAIR Soluções milagrosas
- MARIA INÊS DOLCI A herança maldita da inflação
- FABIO GIAMBIAGI Pré-sal na terra de Macunaíma
- CARLOS ALBERTO DI FRANCO A ameaça das drogas sinté...
- JOSÉ GOLDEMBERG O Protocolo Adicional
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Estupidez constitucional
- MARCELO DE PAIVA ABREU Fadiga política no Brasil e...
- ANNA RAMALHO Um palacete para o ex-operário é muit...
- PAULO GUEDES Vitória... de Pirro?
- Mario Vargas LLosa História feita pelo povo
- ''Números oficiais não refletem realidade das cont...
- CELSO LAFER Sobre o Holocausto
- CELSO MING Descomplicar a reciclagem
- ALBERTO TAMER Há mais petróleo, mas não se sabe qu...
- SUELY CALDAS O modelo BC nas agências
- MERVAL PEREIRA Que tipo de voto?
- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS O crescimento é um...
- REGINA ALVAREZ Terceirização de risco na Petrobras
- VINICIUS TORRES FREIRE Sai por uma porta, entra p...
- CLÓVIS ROSSI Mais uma lenda ameaçada
- MÍRIAM LEITÃO Trem para o passado
- DORA KRAMER Casa grande e senzala
-
▼
fevereiro
(234)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA