O ESTADO DE SÃO PAULO - 20/02/11
Mais dois funcionários de carreira foram escolhidos para a diretoria do Banco Central (BC). O economista Altamir Lopes e o contador Sidnei Corrêa Marques juntam-se a Alexandre Tombini para compor a nova diretoria colegiada da gestão Dilma Rousseff, até agora integrada unicamente por funcionários experientes, de longa trajetória no BC. A escolha obedeceu a critérios exclusivamente profissionais, técnicos e meritórios. Nenhum dos três foi apadrinhado por caciques do PMDB ou do PT, tampouco alvos de disputa político-partidária.
Como, de resto, deveria acontecer com todo o segundo escalão da administração pública. Mas não é essa a realidade, e quem passou pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva argumenta ser impossível governar e conseguir apoio dos partidos políticos em matérias votadas no Congresso sem, em troca, conceder favores, emendas ao orçamento e nomear apadrinhados. Se alguém imagina que a conduta do PMDB na votação do salário mínimo, na quarta-feira, desmente essa sentença, espere a (salgada) conta quando Dilma Rousseff reabrir a temporada de indicações para as estatais.
Até certo ponto a sentença é verdadeira e é seguida em outros países democráticos com regimes de representação política. Mas, no Brasil, ela é aplicada com enorme exagero, sem nenhum cuidado de proteger a boa gestão pública - focada na população, no cidadão comum -, em contraposição a outra, voltada a atender interesses partidários. Ao receber o apoio e a confiança de mais de 55 milhões de eleitores (caso da eleição de Dilma Rousseff), o presidente da República passa a ter a obrigação de zelar por essa boa gestão, trazer pessoas capacitadas, criativas, com qualidades de honradez e caráter. Mas, infelizmente, a cada troca de governo o País presencia o deplorável espetáculo do loteamento político de cargos, protagonizado pelos caciques de sempre brilhando na ribalta, indicando seus protegidos e dando a eles a missão de operar em favor do partido e contra o País.
O isolamento do BC da mesquinha disputa por cargos começou no governo FHC, numa conjuntura em que era absolutamente imprescindível proteger o Plano Real e a nova moeda da fúria da inflação descontrolada que, por mais de três décadas, arruinou nossa economia. Primeiro presidente do BC de FHC, o economista Pérsio Arida argumentou com o então presidente ser absolutamente indispensável isolar a diretoria do BC do jogo político e dar a ela autonomia de ação e gestão para fazer o que fosse preciso para preservar o real. Não conseguiu a autonomia em lei, mas, em seus oito anos de governo, FHC respeitou o trato com Arida e não interferiu nem na composição da diretoria nem em suas decisões. Nem quando o BC decretou intervenção no Banco Nacional, em 1995, que resultou em inquérito policial e bloqueio dos bens dos proprietários (a família Magalhães Pinto), o que prejudicou diretamente sua nora, herdeira do Nacional.
Ao assumir a Presidência, em 2003, Lula ouviu de seu presidente do BC, Henrique Meirelles, o mesmo trato de Arida. Concordou, respeitou, manteve diretores nomeados por FHC, não influenciou na escolha dos novos e não interferiu nem quando sua sagrada popularidade dependia da queda dos juros. Mas, como FHC, não enviou projeto ao Congresso formalizando autonomia do BC em lei.
Agências reguladoras. O BC é parte de um conjunto de agências reguladoras às quais os governos delegam a função de regular e fiscalizar empresas privadas e estatais de setores que prestam serviços ao público. O BC atua no setor financeiro como a Aneel, em energia elétrica; a ANP, no setor petrolífero; a Anatel, em telecomunicações; a ANA, em recursos hídricos; a ANTT, em transportes terrestres; a ANS, em saúde; a ANAC, em aviação civil; a Anvisa, em vigilância sanitária; e a Ancine, em cinema. Para exercer sua função com a competência que a regulação desses setores requer, a agência precisa ter autonomia de ação e decisão e seus diretores, mandatos que os protejam contra retaliações de natureza política. É essa a receita para diretores da agência não temerem punições ao tomarem decisões que contrariem pedidos e recomendações de ministros, governadores e parlamentares. Assim funciona em todos os países que levam a sério a democracia.
Mas no Brasil este modelo só é aplicado no BC. As demais agências sofrem interferências indevidas de toda a classe política. Da escolha de seus diretores, sempre disputada pelos partidos, até corriqueiras decisões em favor de determinada empresa amiga de um governador, parlamentar ou prefeito. Ao BC, a autonomia foi concedida em clima de vida ou morte à inflação, que antes sempre voltava em seguida a cada plano de estabilização. Para destruir a inflação, o Plano Real precisava provar ao mercado financeiro que a decisão de isolar o BC de influências políticas era pra valer, não tinha volta. Foi assim que o governo FHC neutralizou as especulações que nascem de dúvidas. E o mercado vive aproveitando cada brecha de dúvida ou falta de seriedade do governo para especular e ganhar dinheiro com oscilação de preços de ativos. Agora mesmo, não acreditou no corte de gastos de R$ 50 bilhões, porque não viu seriedade no seu cumprimento. Assim é no mundo inteiro. Cabe aos governos saberem se defender, não deixar brechas e criar antídotos contra ataques do mercado.
Manter o BC longe de influências políticas foi extremamente positivo para o Brasil e seu povo. Passados 16 anos, é hoje uma prática consolidada. Políticos poderosos - governadores, presidentes do Senado, da Câmara ou de partidos - não se aventuram mais a indicar esse ou outro nome para o BC. Nem mesmo o presidente da República, a quem cabe a escolha, ousa entregar o cargo a um amigo, alguém que não seja respeitado e reconhecido como competente e sério no mercado. Como fez o ex-presidente José Sarney, que nomeou e foi obrigado a demitir o amigo Elmo Camões, envolvido em escândalo financeiro no caso do especulador Naji Nahas.
Ao reiniciar as nomeações do segundo escalão, se Dilma Rousseff conseguir levar a ferro e fogo a experiência do BC para as demais agências e despolitizá-las, torná-las autônomas, nomear diretores por critérios de seriedade, competência técnica e probidade e mantê-las longe da troca de favores da classe política, ela dará um salto de enorme avanço político ao País e à democracia.
Entrevista:O Estado inteligente
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