FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11
Pouco se discute a baixa da qualidade do gasto público causada por ajustes fiscais improvisados e abruptos
CORTAR OS gastos do governo de uma hora para outra parece um pouco com virar a noite estudando para uma prova depois de um semestre inteiro de vadiagem na escola. Em geral, dá em besteira.
O improviso atabalhoado do corte de R$ 50 bilhões do Orçamento federal é um aspecto pouco mencionado nos debates. É fato que nem o governo ainda tem muita ideia de onde vai cortar, o que dificulta a discussão da qualidade da tesourada.
No entanto, um conhecimento básico dos engessamentos da despesa do governo federal permite intuir que um corte dessa dimensão, realizado num ano apenas, vai acabar prejudicando os investimentos. Aliás, trata-se quase de uma tradição, o "ajuste via investimento".
Sim, o governo Dilma Rousseff merece o benefício da dúvida, ou ao menos o direito de não ser criticado antes de apresentar a planilha de mágicas e milagres com suas intenções de contenção de despesas. Mas vai conseguir cumprir sua promessa de não mexer na despesa com benefícios sociais e nos investimentos?
Como escreveu Maurício Oreng, economista do Itaú, em relatório divulgado na quinta-feira passada: "A magnitude dos cortes orçamentários anunciados ontem naturalmente envolve riscos de execução. Em nossa opinião, para esse ajuste se materializar, são estritamente necessárias reduções nos investimentos federais, além das economias com custeio da máquina".
Em outro estudo sobre problemas fiscais, de janeiro, mas ainda compatível com o presente corte prometido pelo governo, o pessoal do Itaú estimava que, para um aumento real da despesa de 2% em 2011, haveria crescimento de 5% dos custos com a folha de pagamento, de 3% com as aposentadorias, de 19% com outras despesas obrigatórias e uma queda brutal de 19% com as despesas de investimento. Ruim.
Há outras estimativas na praça, mas todas elas desconfiam da possibilidade de que o investimento do governo fique intocado.
Trata-se de uma degradação na qualidade do gasto federal. Embora crescente além da conta nos anos Lula, o gasto era de melhor qualidade -sua composição melhorava. De 2009 para 2010, a despesa com investimento subira 15%; entre 2004 e 2008, 21% ao ano. Nesses mesmos anos, a despesa com servidores subira 7% e 6%, respectivamente. Com aposentadorias, 7% e 8%.
Um problema ainda mais ignorado é a degradação contínua da qualidade "política" da execução orçamentária. Primeiro, o Congresso aumenta despesas, já altas demais, com base em previsões amalucadas de crescimento da arrecadação de impostos e da economia. Segundo, um governo que já não é obrigado a cumprir as determinações de gastos (deve observar apenas o teto das despesas) reorganiza como quer a bagunça do Congresso.
Ou seja, a gente dá de barato que o Congresso não cumpra nem possa cumprir o papel primevo dos parlamentos: controlar o arbítrio do rei.
A degradação não para por aí. O governo pode executar despesas autorizadas por orçamentos dos anos anteriores e empurrar com a barriga despesas previstas para este ano. Aumenta ainda mais o seu poder de arbítrio, de barganha política menor e, de resto, desorienta a expectativa de cidadãos a respeito de serviços públicos e de empresas a respeito de investimentos. Primitivo.
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