O ESTADO DE SÃO PAULO - 20/02/11
Na conversa, varando a noite, o governador revelava o sonho: o de ver reunidos na mesma frente os políticos da geração pós-64, em defesa do mesmo ideal, o de servir ao País sem as amarras do passado, sob a égide de partidos doutrinários e de índole democrática-parlamentar, limpos do viés personalista que caracteriza a organização partidária desde o Primeiro Império. A interlocução com o neto de Arraes, Eduardo Campos, ocorreu há bastante tempo, mas suas últimas movimentações sinalizam que ele não desistiu da meta de promover sua "revolução geracional", que consiste, em termos práticos, em agregar em torno do Partido Socialista Brasileiro (PSB) as mais promissoras e modernas lideranças do País, vinculando-as a um projeto de longo alcance, inspirado em profundas mudanças nos costumes e práticas da política. Desse intento sairia um ente partidário maduro e plural, denso e moderno para motivar as classes médias urbanas - profissionais liberais, núcleos da intelligentzia, contingentes do pequeno e médio empresariado - e, ainda, trabalhadores insatisfeitos com o novo peleguismo em expansão no País. A intenção de eleger a classe média como foco se justifica pelo caráter intrínseco ao grupamento - o de pedra jogada no meio do lago -, condição que a torna um polo por excelência de irradiação de influência.
Semana passada, Campos convidou o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, a integrar a sigla, gesto que faz parte da estratégia para inseri-la no salão principal do jogo político. Recai sobre o projeto certa desconfiança, tendo em vista a índole individualista de operações políticas em curso no País. Vê-se o movimento como tentativa do governador em se cacifar ao pleito de 2014. Outros não chegam a apostar na proposta, em face da dissonância gerada pela identidade socialista da sigla. Mas essa dúvida é logo dirimida. O PT, mesmo quando detinha nitidez ideológica, não conseguiu ascender ao centro do poder? Ademais, o Brasil de hoje não é do ciclo getulista, caracterizado por intenso antagonismo de classes. O PSB de hoje só conserva mesmo a sigla do homônimo criado em 32 e fechado em 37 pelo Estado Novo. Os partidos socialistas há muito abandonaram a cartilha leninista, que os concebia como "vanguarda organizada e disciplinada do proletariado revolucionário, não podendo repartir a liderança com outros partidos". A névoa do tempo acabou dando ao matiz socialista configuração mais próxima aos escopos de partidos sociais democratas. Passaram a aceitar o jogo eleitoral parlamentar, renunciando à intransigência doutrinária.
Tal formatação serve ao propósito de iniciativas que visem a juntar, num mesmo barco, navegantes pareados pela idade e identificados com o espírito do tempo. É patente o vazio que se abriu na arquitetura partidária. Só mesmo a cegueira política não consegue perceber a oceânica distância entre a esfera social e o universo político, em razão da desconfiança e da incredulidade em políticos de todas as instâncias. Esse buraco se aprofunda e justifica a reunião de atores de faixas assemelhadas. Não é fora de propósito, portanto, integrar num mesmo empreendimento quadros como Aécio Neves, Ciro Gomes, Eduardo Campos, Paulo Bornhausen, Antonio Anastasia e Gilberto Kassab, para citar alguns. A dialética da mudança política obedece a um processo pelo qual os integrantes de uma ação de vulto formam um pacto para vencer resistências, assumir riscos e romper elos com o passado. Fica implícito um compromisso com reformas, sem as quais qualquer combinação fraquejará.
Nesse ponto, impõe-se a dúvida: não era essa a concepção que Jorge Bornhausen tinha quando fundou o DEM e cedeu o poder a um grupo jovem, capitaneado pelos deputados Rodrigo Maia e ACM Neto? Em termos. Os braços da sigla foram rejuvenescidos, mas o corpo permaneceu velho. O DEM continua exalando o perfume do velho PFL. Esse é o problema. Atrelado a grupos que se acomodam no extremo da margem direita, tem imagem de partido imune às ondas mudancistas sob empuxo dos movimentos sociais. Ligado aos fios do liberalismo ortodoxo, amarrado ao tronco de uma árvore decadente, vive um processo de corrosão. Na outra banda do espectro ideológico atuam o PSDB e o PT, este deixando as margens "revolucionárias", depois de locupletar a estrutura estatal, e aquele regendo a mesma orquestra que criou em 1988. Os músicos tucanos ficaram velhos, os maestros se multiplicaram e os espetáculos continuam sendo realizados apenas em praças centrais. Mao TSE Tung dizia que um partido percorre tanto quanto um ser humano os estágios da infância, juventude, idade adulta e velhice. Os tucanos chegaram à velhice mais cedo. Já o Partido dos Trabalhadores está dividido em alas, cada uma com muita sede de poder. Seu acervo doutrinário (?) é, isso mesmo, uma interrogação. O PMDB, no centro, sabe que terá papel decisivo, na medida em que seu peso faz a balança pender para um lado ou para outro. Age pragmaticamente ancorado na capilaridade de maior partido nacional. Outras siglas vagam como estrelas difusas na constelação partidária, ampliando ou diminuindo de porte, a cada pleito, e exibindo o selo de seus líderes.
Esse é o quadro que motiva Campos. Seu partido teve a melhor performance no último pleito, elegendo 6 governadores e 34 deputados federais. Ele próprio obteve a maior vitória de um governador na história de Pernambuco. Mas o sucesso de sua empreitada depende do Sudeste. Falta-lhe o contrapeso dos maiores colégios eleitorais, São Paulo e Minas, onde poderá construir fortaleza para enfrentar as guerras do amanhã. O arsenal tucano na região é ameaçado pelo efeito do tempo, a corrosão de material. E Eduardo Campos, com sua estampa de governante jovem e bem avaliado, pode ser o fiador do "choque de novidades". Que teria Gilberto Kassab como aríete para furar barreiras nas frentes do Sudeste. Claro, se o prefeito paulistano não for conquistado pelo PMDB.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2011
(2527)
-
▼
fevereiro
(234)
- Roberto Abdenur-Novas realidades em questão
- Arábia Saudita Luiz Felipe Lampreia
- Moacir Scliar: Legado imortal Larissa Roso
- Paulo Brossard E ainda se duvida de milagre
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Casa do Sader
- CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA
- LYA LUFT Como seremos amanhã?
- BETTY MILAN O desafio da fidelidade
- J. R. GUZZO Dois Países
- ENTRADA PROIBIDA - VEJA
- Abram Szajman Tira o olho, ministro
- Carlos Alberto Sardenberg O que são quatro anos se...
- Denis Lerrer Rosenfiel Luz própria
- Cavalo de Troia - Jorge Darze
- NORMAN GALL Tecnologia e logística em águas profundas
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Entrevista de Sua Excelência
- FERREIRA GULLAR - O povo desorganizado
- DANUZA LEÃO - Tropa de elite
- VINICIUS TORRES FREIRE - Nos trilhos do bonde do K...
- Merval Pereira O novo Iuperj
- Dora Kramer Informar é preciso
- Sergio Fausto Escolhas fundamentais
- Alberto Dines No levante tudo é possível
- Suely Caldas Os pobres e os ricos do Nordeste
- CELSO MING - Troca tributária
- GAUDÊNCIO TORQUATO - Distritinho e distritão
- Cacá Diegues - Uma revolução pós-industrial
- ENTREVISTA - JOÃO UBALDO RIBEIRO
- HÉLIO SCHWARTSMAN Metáforas de crimes influenciam ...
- CESAR MAIA - Poderes e democracia
- FERNANDO RODRIGUES - A banda estreita de Dilma
- FERNANDO DE BARROS E SILVA - Demagogia (des)contin...
- Merval Pereira A busca do acordo
- Marco Aurélio Nogueira A Itália de Berlusconi entr...
- Os outonos - Míriam Leitão
- Itamar Franco:'Violou-se a Constituição e o Senado...
- Roberto Freire A reforma e Jabuticaba
- JOÃO MELLÃO NETO O ocaso das certezas
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS O medo está de volta
- VINICIUS TORRES FREIRE O governo está incomodado
- MERVAL PEREIRA Tema popular
- Dora Kramer -Insuficiência de tutano
- Celso Ming -Carregamento caro
- Nelson Motta Os eleitos dos eleitos
- VINICIUS TORRES FREIRE Petróleo em revolta e o Brasil
- Míriam Leitão No rastro da crise
- Merval Pereira Roteiro amplo
- Alberto Tamer Petróleo: dá para absorver alta
- Dora Kramer Falso parâmetro
- Celso Ming Cresce o rombo externo
- Eugênio Bucci Meu corpo, meu oponente
- Carlos Alberto Sardenberg Assalto "por dentro"
- Paulo R. Haddad A Fiat vai ao Nordeste
- MÍRIAM LEITÃO Nada é impensável
- MERVAL PEREIRA O difícil equilíbrio
- VINICIUS TORRES FREIRE Mais ruídos na economia de ...
- ROBERTO DaMATTA A morte e a morte anunciada de um ...
- FERNANDO RODRIGUES Gaddafi, Lula e o Brasil
- ANTONIO DELFIM NETTO Mandelbrot
- Dora Kramer Para o que der e vier
- Celso Ming A inflação assusta
- Sergio Telles Tunísia, modernidade islâmica
- Helder Queiroz Pinto Jr.O que esperar dos preços i...
- Jorge Darze Não faltam médico
- Claudio Sales Itaipu: conta extra de R$ 5 bi para...
- Eduardo Graeff Contra o voto em lista
- ANTONIO DELFIM NETTO O fundamento fiscal
- MÍRIAM LEITÃO Crise da Líbia
- REGINA ALVAREZ Petrobras na mira do MP
- MERVAL PEREIRA Jabuticaba mista
- Dora Kramer Mudar para conservar
- Celso Ming Até a próxima crise
- Se todos são keynesianos, o que Keynes diria a Dilma?
- Rodrigo Constantino Onde estão as reformas?
- Rubens Barbosa Defesa e política externa
- FHC:‘O PODER REVELA MUITO MAIS DO QUE CRIA OU DEFO...
- José Serra ‘O falso rigor esconde falta de rigor’
- Luiz Werneck ViannaMares nunca dantes navegados
- AMIR KHAIR Soluções milagrosas
- MARIA INÊS DOLCI A herança maldita da inflação
- FABIO GIAMBIAGI Pré-sal na terra de Macunaíma
- CARLOS ALBERTO DI FRANCO A ameaça das drogas sinté...
- JOSÉ GOLDEMBERG O Protocolo Adicional
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Estupidez constitucional
- MARCELO DE PAIVA ABREU Fadiga política no Brasil e...
- ANNA RAMALHO Um palacete para o ex-operário é muit...
- PAULO GUEDES Vitória... de Pirro?
- Mario Vargas LLosa História feita pelo povo
- ''Números oficiais não refletem realidade das cont...
- CELSO LAFER Sobre o Holocausto
- CELSO MING Descomplicar a reciclagem
- ALBERTO TAMER Há mais petróleo, mas não se sabe qu...
- SUELY CALDAS O modelo BC nas agências
- MERVAL PEREIRA Que tipo de voto?
- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS O crescimento é um...
- REGINA ALVAREZ Terceirização de risco na Petrobras
- VINICIUS TORRES FREIRE Sai por uma porta, entra p...
- CLÓVIS ROSSI Mais uma lenda ameaçada
- MÍRIAM LEITÃO Trem para o passado
- DORA KRAMER Casa grande e senzala
-
▼
fevereiro
(234)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA