O Estado de S.Paulo - 27/02/11
- É para o Fantástico? Me disseram que era para o Fantástico.
- Não, deputado, é para um especial que está sendo preparado.
- Mas não dá para passar no Fantástico? Assim um trecho, melhores momentos, uma coisa dessas? O Fantástico para mim é a melhor coisa da televisão, tem grande penetração, não perco um. Você tem certeza de que não dá para encaixar pelo menos um trechinho da entrevista no Fantástico? Não comente isso, não, mas, se for necessário dar um agrado a alguém, sabe como é, alguém lá na televisão, uma conversa, um agradozinho no bolso... Eu conheço essas coisas, sempre dá para resolver, com boa vontade se resolve tudo.
- Bem, infelizmente isso não é comigo. Eu acho que não é bem assim que funciona, mas, de qualquer forma, o senhor teria que falar com o pessoal da programação da emissora.
- Ah, está certo. Gostei de ver sua honestidade. Podia perfeitamente pegar a gratificação e depois dizer que não deu para fazer nada, você foi honesto, continue assim, só a honestidade salva este país. Já está gravando?
- Não, ainda não, mas já estamos prontos.
- É que acabei de bolar essa frase "só a honestidade salva este país" e achei que seria muito boa para marcar minha primeira entrevista. Só a honestidade salva este país. Curto, direto e verdadeiro, olhe aqui, fico até arrepiado quando digo isso, eu sou um homem emotivo.
- Podemos começar?
- Se eu errar alguma coisa, você me adverte?
- Como assim? Eu não posso ficar corrigindo o senhor.
- Não é corrigir, é me fazer um sinal, ou então regravar alguma coisa que eu faça errado. É minha primeira entrevista em rede nacional, a família toda vai assistir, o pessoal todo de minha terra vai assistir, é uma coisa de muita responsabilidade. Eu vou ser muito franco com você, eu estou nervoso, é natural. Você é profissional, eu não peço nada, apenas uma orientação.
- Mas minha pauta não tem nenhuma pergunta complicada, é para ser tudo espontâneo, como, por exemplo, suas primeiras experiências depois de empossado.
- Ah, eu ainda estou muito verde. Ainda não conheço nem meus direitos, todo dia eu descubro uma coisa nova que todo mundo já tem e eu por fora. Devia haver uma assessoria especial para o deputado novato. Do jeito que é, eu acho que o sujeito pode passar anos sem aproveitar seus direitos. Saia perguntando por aí e você vai ver que muitos outros deputados ainda não conhecem seus direitos todos, é muito direito, tem que administrar isso com responsabilidade. Se a verba está aí e o sujeito não usa a verba, ela não serve para nada, cai em exercício findo e não beneficia ninguém, isso é imobilismo, é preciso acabar com o imobilismo na Câmara. Já decidi que vou montar um programa de conscientização entre os parlamentares, essa área precisa de maior controle, é uma garantia para o equilíbrio do parlamentar. Quantos não estão pagando por coisas que podiam ter de graça?
- O senhor acha que seu partido encamparia essa iniciativa?
- Meu partido? Não, isso não é um problema partidário. O P... O P... O P... O P...
- O senhor está tentando lembrar o nome de seu partido?
- É, é o nervosismo, porque eu fiz questão de decorar com todo o cuidado, repetia o dia todo, até dirigindo o carro. E anotei, minha senhora anotou e botou no meu bolso, só que de outro paletó. Isso, aliás, é outra coisa que tem que ser revista: se a Câmara exige paletó e gravata, nada mais justo que um auxílio-vestuário, uns 15 ternos por ano, as pessoas não fazem ideia de como um deputado gasta roupa, é um absurdo. Eu mesmo só tinha um terno e tive de mandar fazer uma porção, sem o menor auxílio do governo, não é justo. É do interesse da sociedade que o deputado se apresente condignamente trajado, preserva a instituição. Esse é outro ponto...
- Desculpe, mas o senhor estava falando do seu partido.
- Ah, é verdade, é que essa questão do traje me empolga, você não faz ideia de quanto um bom alfaiate está cobrando por um terno. E a gente tem de morrer nessa grana, só para manter o decoro parlamentar. Mas, sim, o partido. Às vezes dá um branco, não há meio de eu lembrar. É o PTSB! Isso mesmo, PTSB! Não é?
- Assim de cabeça, não estou reconhecendo. São as iniciais de quê?
- Ah, aí você me pegou. Se eu tive dificuldade em decorar as iniciais, imagine o nome todo. É muito partido, é como os ministros, são tantos que ninguém toma pé. E, como eu lhe disse, o partido não vem ao caso, quando se trata desse programa de conscientização que eu estou planejando. Evidentemente que é uma questão suprapartidária. Não se trata de uma medida que vá beneficiar somente os deputados de alguns partidos, em detrimento de outros. Vai beneficiar todos, indistintamente, é um movimento de interesse da nação.
- Da nação?
- O que é do interesse dos deputados é do interesse do Brasil, são os deputados que representam o povo brasileiro. Nós ainda não estamos inteiramente acostumados à democracia. Na democracia, quem manda é o povo e, como quem representa o povo somos nós, o que é do povo é nosso. Já está gravando? Vamos começar, está na hora de trabalhar. É como eu já disse lá em casa, não fiquem pensando que o sujeito se elege somente para se fazer, tem trabalho também! Meu cabelo está despenteado?
Entrevista:O Estado inteligente
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