O Globo - 22/02/2011
Após quase dois meses de governo Dilma, o que podemos dizer sobre sua gestão? Muitos parecem satisfeitos, mas não é fácil entender os motivos. Talvez o relativo silêncio da presidente explique a maior benevolência com a atual ocupante do cargo. Mas esta parece uma razão muito frágil para postura tão obsequiosa.
Até aqui, a imagem de uma gerente eficiente que atua nos bastidores sem muito barulho tem sobrevivido. Mas o que está sendo feito de verdade? Fala-se do enorme corte de R$50 bilhões nos gastos públicos. Mas uma análise mais minuciosa levanta questões importantes.
Para começo de conversa, o ministro responsável pela medida é o mesmo da gestão anterior, o "ilusionista" Guido Mantega, responsável por truques contábeis para atingir a meta de superávit fiscal em 2010. Qual a sua credibilidade para assumir a tesoura agora?
Em segundo lugar, o propagado corte se dará em cima de um Orçamento inflado. Cortar expectativa de aumento de gasto não é o mesmo que reduzir efetivamente a despesa, algo que o setor público deveria fazer urgentemente. Os gastos em 2011 serão maiores do que foram em 2010. Isso sem falar dos malabarismos para expandir o crédito público subsidiado por meio do BNDES.
O inchaço da máquina estatal foi responsabilidade do governo Lula, do qual Dilma foi importante figura. A "herança maldita" vem daquele presidente que garantiu aos eleitores que Dilma era apenas outro nome para Lula. Durante a campanha, a própria Dilma afirmou que não faria ajuste fiscal. Seria um caso de "estelionato eleitoral" então?
Claro que as medidas de maior austeridade fiscal são necessárias. A inflação está em patamares elevados. O Banco Central já iniciou um ciclo de aumento dos juros para conter o dragão, e seria um erro utilizar somente a política monetária nesta batalha. O principal instrumento deve ser justamente a política fiscal, uma vez que os gastos públicos são a causa número um do problema. Mas o corte é tímido, se é que será colocado em prática na íntegra.
O que mais deveria ser feito então? A resposta está na ponta da língua de qualquer economista sério: as reformas estruturais. Enquanto estas mudanças mais profundas não forem realizadas, o governo ficará apenas apagando incêndio com copos d"água, empurrando o problema com a barriga. A presidente Dilma não esboça nenhuma intenção de enfrentar este desafio com coragem e determinação. Ao contrário, ela já deixou claro que não deverá pressionar o Congresso em relação a isso.
Conter o aumento do salário mínimo, passando por cima dos sindicalistas de sua base tradicional de apoio, foi uma conquista. Mas ainda é muito pouco. O rombo previdenciário é uma bomba-relógio, e o "bônus demográfico" cada vez ajuda menos. A população brasileira está envelhecendo, e as contas não fecham. Fingir que o problema não existe somente porque sua explosão não é iminente beira a total irresponsabilidade. Onde está o projeto da reforma previdenciária? Se depender do PT, o modelo de aposentadoria muda, mas para pior.
As leis trabalhistas de nosso país datam da Era Vargas, sob a visível influência do fascismo. As máfias sindicais concentram poder abusivo, e não há flexibilidade alguma entre patrão e empregado. A Justiça do Trabalho adota viés marxista em suas decisões, quase sempre penalizando as empresas. A burocracia é asfixiante e a carga tributária é absurda. Leva-se 120 dias para abrir uma empresa no Brasil, contra 14 dias nos países mais desenvolvidos. Consome-se cerca de 2.600 horas por ano apenas para atender as demandas de nosso manicômio tributário. Empreender num país desses é tarefa heróica. Onde está a reforma trabalhista? Onde está a reforma tributária?
A infraestrutura do país está em péssimo estado. O governo não investe direito porque gasta muito, e ainda prejudica a iniciativa privada com elevados impostos, juros altos e burocracia insana. Enquanto estas questões básicas forem ignoradas, não dá para ficar elogiando a "gerência eficiente" da presidente. É preciso cobrar mudanças concretas.
Entretanto, parece que nossa sonolenta oposição prefere se digladiar entre si, enquanto muitos empresários míopes surfam as ondas criadas pelos ventos externos favoráveis, que em qualquer momento podem mudar de direção. Trata-se de um equilíbrio instável, que pode levar a um cenário de rápida deterioração da economia. Este modelo não é de crescimento sustentável.
Em vez de elogiar a "eficiência" da presidente na gestão, todos deveriam, com um brado retumbante, perguntar: onde estão as reformas?
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2011
(2527)
-
▼
fevereiro
(234)
- Roberto Abdenur-Novas realidades em questão
- Arábia Saudita Luiz Felipe Lampreia
- Moacir Scliar: Legado imortal Larissa Roso
- Paulo Brossard E ainda se duvida de milagre
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Casa do Sader
- CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA
- LYA LUFT Como seremos amanhã?
- BETTY MILAN O desafio da fidelidade
- J. R. GUZZO Dois Países
- ENTRADA PROIBIDA - VEJA
- Abram Szajman Tira o olho, ministro
- Carlos Alberto Sardenberg O que são quatro anos se...
- Denis Lerrer Rosenfiel Luz própria
- Cavalo de Troia - Jorge Darze
- NORMAN GALL Tecnologia e logística em águas profundas
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Entrevista de Sua Excelência
- FERREIRA GULLAR - O povo desorganizado
- DANUZA LEÃO - Tropa de elite
- VINICIUS TORRES FREIRE - Nos trilhos do bonde do K...
- Merval Pereira O novo Iuperj
- Dora Kramer Informar é preciso
- Sergio Fausto Escolhas fundamentais
- Alberto Dines No levante tudo é possível
- Suely Caldas Os pobres e os ricos do Nordeste
- CELSO MING - Troca tributária
- GAUDÊNCIO TORQUATO - Distritinho e distritão
- Cacá Diegues - Uma revolução pós-industrial
- ENTREVISTA - JOÃO UBALDO RIBEIRO
- HÉLIO SCHWARTSMAN Metáforas de crimes influenciam ...
- CESAR MAIA - Poderes e democracia
- FERNANDO RODRIGUES - A banda estreita de Dilma
- FERNANDO DE BARROS E SILVA - Demagogia (des)contin...
- Merval Pereira A busca do acordo
- Marco Aurélio Nogueira A Itália de Berlusconi entr...
- Os outonos - Míriam Leitão
- Itamar Franco:'Violou-se a Constituição e o Senado...
- Roberto Freire A reforma e Jabuticaba
- JOÃO MELLÃO NETO O ocaso das certezas
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS O medo está de volta
- VINICIUS TORRES FREIRE O governo está incomodado
- MERVAL PEREIRA Tema popular
- Dora Kramer -Insuficiência de tutano
- Celso Ming -Carregamento caro
- Nelson Motta Os eleitos dos eleitos
- VINICIUS TORRES FREIRE Petróleo em revolta e o Brasil
- Míriam Leitão No rastro da crise
- Merval Pereira Roteiro amplo
- Alberto Tamer Petróleo: dá para absorver alta
- Dora Kramer Falso parâmetro
- Celso Ming Cresce o rombo externo
- Eugênio Bucci Meu corpo, meu oponente
- Carlos Alberto Sardenberg Assalto "por dentro"
- Paulo R. Haddad A Fiat vai ao Nordeste
- MÍRIAM LEITÃO Nada é impensável
- MERVAL PEREIRA O difícil equilíbrio
- VINICIUS TORRES FREIRE Mais ruídos na economia de ...
- ROBERTO DaMATTA A morte e a morte anunciada de um ...
- FERNANDO RODRIGUES Gaddafi, Lula e o Brasil
- ANTONIO DELFIM NETTO Mandelbrot
- Dora Kramer Para o que der e vier
- Celso Ming A inflação assusta
- Sergio Telles Tunísia, modernidade islâmica
- Helder Queiroz Pinto Jr.O que esperar dos preços i...
- Jorge Darze Não faltam médico
- Claudio Sales Itaipu: conta extra de R$ 5 bi para...
- Eduardo Graeff Contra o voto em lista
- ANTONIO DELFIM NETTO O fundamento fiscal
- MÍRIAM LEITÃO Crise da Líbia
- REGINA ALVAREZ Petrobras na mira do MP
- MERVAL PEREIRA Jabuticaba mista
- Dora Kramer Mudar para conservar
- Celso Ming Até a próxima crise
- Se todos são keynesianos, o que Keynes diria a Dilma?
- Rodrigo Constantino Onde estão as reformas?
- Rubens Barbosa Defesa e política externa
- FHC:‘O PODER REVELA MUITO MAIS DO QUE CRIA OU DEFO...
- José Serra ‘O falso rigor esconde falta de rigor’
- Luiz Werneck ViannaMares nunca dantes navegados
- AMIR KHAIR Soluções milagrosas
- MARIA INÊS DOLCI A herança maldita da inflação
- FABIO GIAMBIAGI Pré-sal na terra de Macunaíma
- CARLOS ALBERTO DI FRANCO A ameaça das drogas sinté...
- JOSÉ GOLDEMBERG O Protocolo Adicional
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Estupidez constitucional
- MARCELO DE PAIVA ABREU Fadiga política no Brasil e...
- ANNA RAMALHO Um palacete para o ex-operário é muit...
- PAULO GUEDES Vitória... de Pirro?
- Mario Vargas LLosa História feita pelo povo
- ''Números oficiais não refletem realidade das cont...
- CELSO LAFER Sobre o Holocausto
- CELSO MING Descomplicar a reciclagem
- ALBERTO TAMER Há mais petróleo, mas não se sabe qu...
- SUELY CALDAS O modelo BC nas agências
- MERVAL PEREIRA Que tipo de voto?
- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS O crescimento é um...
- REGINA ALVAREZ Terceirização de risco na Petrobras
- VINICIUS TORRES FREIRE Sai por uma porta, entra p...
- CLÓVIS ROSSI Mais uma lenda ameaçada
- MÍRIAM LEITÃO Trem para o passado
- DORA KRAMER Casa grande e senzala
-
▼
fevereiro
(234)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA