Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Um lugar na mesa principal :: Rubens Barbosa

Talleyrand, notável político e diplomata, serviu a todos os regimes na
França de 1796 a 1830. Num de seus momentos de ostracismo, convidado
para um jantar na corte parisiense, dirigiu-se a um lugar obscuro no
final da mesa. Ouviu de um dos convidados que seu lugar não era ali,
mas na mesa principal, o que motivou a famosa resposta: "O lugar mais
importante à mesa é aquele onde me sento".

Ocorreu-me esse episódio enquanto participava de reunião de grupo
composto por importantes formuladores e executores de política
externa, capitaneados por Henry Kissinger, recentemente, em Nova York.
No encontro foram examinados os principais aspectos da conjuntura
internacional, a mudança do eixo político e econômico do Atlântico
para o Pacífico, a emergência da China, o conflito Israel-palestinos,
o Irã e as consequências dos vazamentos do WikiLeaks. A mim foi
proposto discutir se o Brasil poderia ou não, no processo decisório
mundial, ocupar um lugar na mesa principal.

A simples pergunta implica o reconhecimento do peso político que o
Brasil passou a desfrutar nos últimos anos, mas também indica que o
País tem de justificar sua plena participação nos diretórios que se
vêm formando para responder às novas realidades do cenário global.

Ao contrário de Talleyrand, o Brasil acredita que já deveria estar na
mesa principal, mas sem que venham cobrar posições. O Brasil, a Índia,
a África do Sul e alguns outros poucos países passaram a ter maior
visibilidade e peso em suas regiões e, no tocante aos temas globais,
começaram a ser vistos pela comunidade internacional como possíveis
novos integrantes dos diretórios formais ou informais na área de paz e
segurança, e outros de interesse geral.

Dentro de uma visão de médio e longo prazo, respondi positivamente à
indagação que me foi colocada e procurei mostrar por que o Brasil hoje
pode assumir essa posição de destaque. Alinhei também as credenciais
de natureza política e econômica para estarmos presentes nos
principais centros decisórios.

Dada a sua índole pacífica, o Brasil não representa nenhuma ameaça
para os países da região. Embora mantendo fronteira com dez vizinhos,
as disputas territoriais foram negociadas e há 145 anos o País não se
envolve em guerras regionais. Ao contrário da China, Índia e Rússia, o
Brasil não é uma potência nuclear. A crescente presença externa do
País ocorre, sobretudo pela habilidade de obter êxitos pelos valores
que defende, por sua cultura, pela ação moderada e moderadora, além da
atitude positiva para construir consensos, em outras palavras, pelo
seu soft power.

O Brasil, interlocutor indispensável nos temas globais, como comércio,
meio ambiente/mudança de clima, direitos humanos, energia (renovável
e, agora, com o pré-sal, petróleo) e água, membro fundador do Gatt,
das Nações Unidas e dos organismos criados em Bretton Woods, depois da
2.ª Guerra - Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) -,
desempenha um papel ativo e construtivo nesses organismos. Participa
do G-7/G-8, como convidado, e integra o G-20 Financeiro, com forte
presença nas discussões sobre governança global. Candidato declarado a
um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, integra o Grupo
dos Quatro, com a Índia, o Japão e a Alemanha, com vista a acelerar a
reforma das Nações Unidas e de seu órgão mais importante, de modo a
que se tornem mais representativos do novo equilíbrio de forças no
século 21.

Com crescente participação em questões regionais fora da América
Latina, o Brasil tem procurado fazer-se ouvir no processo de paz para
solucionar o conflito Israel-palestinos, na questão do programa
nuclear do Irã e na ajuda aos países da África. Por iniciativa
brasileira foram criados fóruns para o diálogo entre a América do Sul
e o Oriente Médio e entre nossa região e a Ásia. A institucionalização
do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do Ibas
(Índia, Brasil e África do Sul) tornou mais forte a voz do nosso país
no contexto internacional.

A internacionalização da economia e das empresas brasileiras,
sobretudo nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, é um
reflexo do crescimento e da sofisticação do mercado brasileiro - o
crescimento sustentado da economia, que já é a oitava do mundo em
termos de produto nacional bruto, pelo critério do FMI, e, caso a
tendência de baixo crescimento na Europa se mantenha nos próximos
anos, será, em 2015, a quinta economia global, deixando para trás a
França, a Inglaterra e a Itália. A importância do Brasil como
fornecedor de produtos agrícolas para o mundo e gerador de tecnologia
tropical nessa área coloca o País em posição privilegiada como
potência agrícola mundial. A assistência técnica e financeira que o
Brasil oferece aos países em desenvolvimento da América Latina e da
África coloca hoje o País entre os maiores doadores internacionais.

Dessa forma, tendo opiniões que vão desde a guerra cambial até a
questão da não proliferação nuclear, o País espera ser reconhecido
como um relevante ator global.

Na reunião em Nova York houve reconhecimento da solidez das
credenciais do Brasil. Pelas reações dos presentes, ficou claro que a
comunidade internacional já está observando atentamente os movimentos
do governo brasileiro. A caminhada vai ser longa ainda e o atual e os
futuros governos terão um grande desafio: fazer com que o País assuma
as responsabilidades impostas pela participação nos diretórios que
tomam as decisões mais importantes e exerça uma liderança clara e
propositiva tanto no contexto regional como nos temas globais. A
exemplo da China, o Brasil, baseado no respeito mútuo e na cooperação,
terá também de definir um relacionamento maduro com os Estados Unidos
para ser chamado a sentar-se à mesa principal.

Ex-Embaixador em Washington (1999-2004)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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