do ano passado deverá persistir num futuro previsível e, com isso, a
aceleração da inflação passou a ser uma das principais preocupações
dos países emergentes. Com exceção do petróleo, tanto os alimentos
como os metais preciosos já ultrapassaram os níveis recordes que
haviam alcançado no início de 2008, antes do pânico gerado nos
mercados com o colapso do Lehman Brothers.
Esta surpreendente recuperação e boom nos preços das commodities tem
inegavelmente um forte componente provocado pelo excesso de liquidez
gerado pelas políticas monetárias ultraexpansionistas do Federal
Reserve (Fed, banco central americano) e do banco central europeu. Com
o excesso de liquidez, as posições especulativas de investidores
financeiros em commodities já vinham crescendo fortemente antes da
crise financeira. Com a crise financeira e a súbita e forte contração
de liquidez de crédito, os preços da commodities sofreram uma forte
queda. Com a nova política monetária de "quantitative easing" -
monetização da dívida pública - recursos a vontade a taxas de juros
próximas a zero, num contexto de incerteza, investimentos em
commodities transformaram-se numa alternativa atraente em termos de
retorno. É por isso que commodities com características díspares,
cujos preços não tinham nenhuma correlação, passaram a ter hoje uma
correlação forte, tanto o boom como o colapso de preços, passaram a
ser sincronizados. É verdade que esta especulação tem fundamento no
forte aumento da demanda dos países emergentes, mas o aumento
sincronizado de preços em mercados com características tão dispares
(alimentos x petróleo) tem um componente de bolha", certamente um
fenômeno recente que merece atenção, pois tornou este mercado pelo
menos mais volátil.
Estes aumentos sincronizados de preços das commodities deverão
persistir por alguns anos, pois tanto a política monetária
expansionista do Fed, como o crescimento demanda, eventualmente mais
moderada, dos emergentes também deverão persistir. De uma forma mais
geral, as consequências desta pressão inflacionária serão negativas
para a economia global, particularmente nos países emergentes, pois
estão reagindo com aperto na política monetária ou creditícia. Isto
significa que a taxa de crescimento dos países emergentes deverá ser
revista para baixo nos próximos anos. Para os países desenvolvidos as
consequências serão menos sentidas e poderá ser até positiva afastando
o espectro da deflação.
Do ponto de vista teórico a reação correta de política monetária e as
suas consequências dependem do grau de indexação dos salários e dos
preços. Existem três situações básicas: a primeira situação e o pior
cenário, é aquela em que os salários nominais aumentam em função da
inflação de commodities (especialmente alimentos) e as empresas
repassam estes aumentos para os preços. Neste caso, a política
monetária, num primeiro momento, não reduz nem a demanda dos
trabalhadores nem das empresas, o eventual excesso de demanda pode
persistir, pois nem o salário real nem a margem de lucro sofrem queda.
O risco é de aceleração persistente com uma espiral de salário e
preço, o que exigirá novos e sucessivos apertos na política monetária
e creditícia, até romper a indexação.
Este aparentemente é o cenário por trás da decisão do Banco Central do
Brasil na sua última reunião de 18 e 19/1/2011. O Copom no seu
comunicado identifica que a inflação foi "forte e negativamente
influenciada pela dinâmica dos preços de alimentos" e que esses
"desenvolvimentos tendem a ser transmitidos ao cenário prospectivo,
entre outros mecanismos, via inércia". Este cenário de indexação de
salários e preços, a inércia, pode prosperar dada a persistência no
descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e demanda", "… a
estreita margem de ociosidade dos fatores de produção, especialmente,
de mão de obra. Em tais circunstâncias um risco importante reside na
possibilidade de concessão de aumentos nominais de salários
incompatíveis com o crescimento da produtividade".
As consequências desta pressão serão negativas para a economia global,
particularmente nos países emergentes.
Se este diagnóstico do Banco Central estiver correto, estamos
enfrentando não só pressão inflacionária devido ao aumento de preços
de commodities, como pela primeira vez na nossa história, o pleno
emprego no mercado de trabalho.
Uma segunda situação é aquela em que os salários não estão indexados
e, portanto sofrem queda real no seu poder aquisitivo, com o aumento
de preços, resultando numa queda no consumo, eliminando,
eventualmente, o excesso de demanda. Neste caso, não serão necessárias
medidas de aperto na política monetária, pois a elevação do nível de
preços reduz a demanda, ajustando-se a oferta menor a preços mais
elevados. Evidentemente, o desemprego aumentaria.
Uma terceira situação é aquela em que os salários estão indexados, mas
as empresas não tem condições de repassar os aumentos de salários em
resposta aos aumentos de preços de commodities. Neste caso, a demanda
das famílias se mantém, mas com a queda na margem de lucros, as
empresas reduzem as suas demandas e certamente aumentaria o
desemprego. Assim, não serão também necessárias medidas restritivas de
política monetária em resposta aos aumentos de preços das commodities.
Desta forma, só na primeira situação, em que fatores de produção estão
empregados e a demanda agregada está persistentemente crescendo mais
do que a oferta, o aperto na política monetária é necessário até que a
queda da demanda e elevação da taxa de desemprego comece a romper a
indexação dos salários aos preços das commodities e dos preços aos
salários.
Yoshiaki Nakano - ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas
(SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da
FGV/EESP, escreve toda segunda terça-feira do mês.
FONTE: VALOR ECONÔMICO